1. Introdução
A remuneração, ao lado do próprio trabalho, ocupa posição fundamental na relação de emprego. Ao longo da história, remuneração e duração do trabalho foram os temas principais das lutas operárias. Ilustrativamente, na Inglaterra, a partir da Revolução Industrial, as palavras de ordem passaram a ser eight hours to work, eight hours to play, eight hours to sleep, eight shillings a day, revelando as reivindicações obreiras, relativas, sobretudo, à duração do trabalho (jornada e descansos) e à remuneração [02].
Na Roma antiga, era costume pagar aos domésticos com sal, sendo também este o pagamento que se fazia às legiões romanas, para que os soldados comprassem comida. A palavra salário deriva do latim salarium, e este de sal (sal, salis; em grego, hals). Em grego, por sua vez, a palavra salário traduz-se por merced, isto é, prêmio ao trabalho – míodos, composto de mísos (ódio) e íodos (afastar, afugentar), pois que, por meio da merce recebida, os escravos, dedicados ao trabalho material, reconciliavam-se com os seus senhores [03].
O vocábulo remuneração também é de origem latina: vem de remuneratio, do verbo remuneror, composto do re (ligado à reciprocidade) e de muneror (recompensar). Trata-se de verbo derivado do substantivo múnus, muneris (atributo, presente). Rudolf von Jhering sustenta que a palavra remuneratio foi usada pelos romanos em contraposição à merced, que retribuía o trabalho exclusivamente manual [04]A função primordial da remuneração é servir de contraprestação ao empregado pelo trabalho prestado, propiciando-lhe e à sua família uma existência digna.
Alguns autores, no entanto, apontam um outro papel, menos visível, da remuneração no sistema capitalista. Nas palavras de Karl Marx, "um dos efeitos menos (ou nada) visíveis do salário é ocultar a extração da mais-valia. No regime feudal, o servo trabalhava alguns dias de graça para o senhor do castelo. A exploração era transparente. No sistema capitalista, é disfarçada sob a forma de salário" [05].
2. Conceitos e distinções
2.1. Onerosidade
A onerosidade é um dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego (arts. 2o e 3o da CLT). Para conceituá-la, é necessário considerar o aspecto subjetivo (intuito oneroso, contraprestativo, por parte do empregado, o que distingue a relação de emprego do trabalho voluntário) e o aspecto objetivo (recebimento pelo empregado de um conjunto de parcelas econômicas, que retribuem a prestação de serviços ou a mera existência da relação de emprego - art. 4o da CLT).
Em razão de o empregado, em determinados períodos contratuais, receber a remuneração sem prestar qualquer labor (v.g., na interrupção contratual, como nas férias), diz-se, repetindo-se as palavras de Ramirez Gronda, que o contrato de trabalho é "sinalagmático em seu conjunto, e não prestação por prestação" [06].
Esse conjunto de parcelas retributivas pagas ao empregado recebe as denominações "remuneração" ou "salário".
2.2. Salário
O salário é definido como "o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em função do contrato de trabalho" [07]. Trata-se de um complexo de parcelas, na lição de José Martins Catharino, e não de uma única verba. As parcelas salariais são devidas e pagas diretamente pelo empregador (art. 457, caput, e art. 76, CLT).
O salário guarda relação estreita com o contrato de trabalho, sendo um efeito da relação de emprego. O empregado pode receber do empregador um valor em dinheiro ou outro bem que não se relaciona com o contrato de trabalho, (v.g., um empréstimo em pecúnia ou um imóvel em aluguel), não sendo, assim, salário.
Destaca-se o caráter retributivo do salário, isto é, ele retribui o trabalho, sendo este o seu fim. Para ser salário, o dinheiro ou a utilidade deve ser fornecido "pelo trabalho e não para o trabalho", na clássica lição de José Martins Catharino, o que exclui, ilustrativamente, os instrumentos de trabalho. Do mesmo modo, não são consideradas salário as indenizações pagas ao empregado, as quais não possuem o referido caráter retributivo.
Cumpre notar que o salário não necessariamente remunera a prestação de serviços, mas a simples existência do contrato de trabalho. Aqui se inclui o período em que o empregado encontra-se à disposição de seu patrão, considerado como tempo de serviço efetivo (art. 4o da CLT), e aquele relativo à interrupção contratual, como as férias.
2.3. O conceito de salário no Direito comparado
Na Espanha, a lei utiliza diversas denominações para se referir à contraprestação paga ao empregado - salário (a mais comum), remuneração, retribuição – sendo elas expressões sinônimas na ordem jurídica espanhola.
O conceito de salário está expresso no art. 26, §1o, do Estatuto dos Trabalhadores (ET), nos seguintes termos: "se considerará salário la totalidad de las percepciones econômicas de los trabajadores, en dinero o en espécie, por la prestación profesional de los servicios laborales por cuenta ajena, ya retribuyan el trabajo efectivo, cualquiera que sea la forma de remuneración, o los períodos de descanso computables como de trabajo". Tal norma traz expressa a observação acima efetuada: a de que o salário é contraprestação à existência da relação empregatícia.
2.4.Remuneração
Podemos identificar ao menos três conceitos de remuneração na doutrina: remuneração como sinônimo de salário (utilizada muitas vezes na prática); remuneração como gênero das parcelas contraprestativas, sendo o salário a espécie mais importante; remuneração como somatório do salário mais as gorjetas. Para essa terceira corrente, a CLT definiu o salário com base na origem da parcela contributiva, sendo o conjunto de parcelas devidas e pagas diretamente pelo empregador (arts. 29, §1o, 76 e 457, caput, CLT), ao passo que as gorjetas são pagas por terceiros.
A partir do terceiro conceito acima exposto, desenvolveram-se duas correntes. A primeira vertente, muito importante no passado, entendeu que "remuneração" foi a fórmula utilizada pela CLT para incluir as gorjetas habituais na base de cálculo do salário, para fazê-las incidir nas demais parcelas salariais (13o salário, férias e respectiva gratificação de 1/3, adicionais calculados sobre o salário contratual, horas-extras, repouso semanal remunerado, aviso-prévio, FGTS e multa de 40%, etc.).
A segunda vertente defende que a CLT, em seus arts. 76 e 457, caput, criou dois tipos legais distintos: o salário, pago diretamente pelo empregador, e a remuneração, paga diretamente por terceiros. Assim, as parcelas remuneratórias, como as gorjetas, não produzem efeitos próprios às parcelas salariais (v.g., não compõem o salário mínimo legal), nem integram o salário contratual do empregado, não produzindo, portanto, reflexos em outras parcelas. Nesse sentido é a Súmula n. 354 do TST, in verbis: "as gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado" [08].
Todavia, para alguns cálculos deve-se levar em conta a média das gorjetas habituais, como o recolhimento previdenciário (a estimativa das gorjetas deve, inclusive, ser anotada na CTPS – art. 29, §1o, da CLT), os depósitos do FGTS (o art. 15 da Lei n. 8036/90 fala em "remuneração" e menciona expressamente o art. 457 da CLT, o qual, ao definir a remuneração, inclui aí as gorjetas), 13o salário (as Leis n. 4090/62 e n. 4749/65 mencionam a remuneração do mês de dezembro como base de cálculo dessa parcela salarial).
A segunda vertente, em contraponto à primeira, leva à diminuição da contraprestação paga ao empregado que recebe gorjetas habituais, pois estas produzem menos reflexos. Mas abre caminho para uma outra interpretação: se a remuneração é o conjunto das parcelas pagas por terceiros, ela incluiria não somente as gorjetas, mas outras verbas (v.g., honorários advocatícios do advogado empregado, participação em publicidade paga por terceiro, habitualmente recebida por atleta ou artista), que teriam reflexos nos depósitos FGTS, no 13o salário e no recolhimento previdenciário. A crítica que é feita a essa interpretação é que o art. 457 da CLT, ao definir a remuneração, menciona somente as gorjetas, não dando espaço para a inclusão de outras verbas.
O professor Mauricio Godinho Delgado critica a segunda vertente combinada com essa interpretação, pois se restringem os ganhos de uma categoria modesta, como os garçons, e amplia-se a retribuição de uma categoria sofisticada, como os advogados, atletas e artistas. O Autor concorda com a primeira vertente, contrária à Súmula 354 do TST, defendendo que a média das gorjetas habituais deve integrar o salário contratual para todos os fins, exceto no cálculo do salário mínimo [09].
No que tange à questão de as gorjetas poderem ou não ser consideradas no cálculo do salário mínimo, cumpre trazer à colação os seguintes dispositivos legais:
Art. 76 da CLT: "Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte". (grifos nossos).
Art. 6o da Lei n. 8542/92: "Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, por jornada normal de trabalho, capaz de satisfazer, em qualquer região do País, às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social". (grifos nossos).
Pelas normas supra, vê-se que o montante do salário mínimo sempre deverá ser pago diretamente pelo empregador, o qual não pode incluir as gorjetas no seu cálculo.
3. As gorjetas no Direito comparado
Na França, começou-se a verificar um abuso de alguns patrões, que conservavam uma parte das gorjetas para si, sob pretextos diversos, ou procediam a uma repartição desigual entre os empregados. Em razão disso, foi editada a Lei de 19 de julho de 1933 para regulamentar expressamente o controle e a repartição das gorjetas. Esse diploma estabeleceu que, nos estabelecimentos comerciais onde existe a prática da gorjeta, todos os valores recolhidos pelo empregador "pelo serviço" devem ser integralmente distribuídos entre os empregados em contato com a clientela, aos quais esta tinha o costume de dar as gorjetas diretamente. Nesse sentido, destaca-se uma decisão da Câmara Social da Corte de Cassação francesa, na qual se entendeu não ser possível destinar parte das gorjetas ao gerente de um restaurante [10]. As disposições da lei não podem ser excepcionadas pelo regulamento empresarial ou pelo contrato individual.
Também com o objetivo de cercear os abusos cometidos, foi editada na França a Lei de 2 de abril de 1937, que condena a prática denominada "compra do avental". Assim, nos hotéis, restaurantes, empresas de espetáculo ou de transporte, é proibido que o empregador, diretamente ou por meio de diretor ou gerente, imponha aos empregados o pagamento, ou retenha parte do salário, sob qualquer denominação ou por qualquer objeto que seja, na ocasião da contratação ou do exercício normal do trabalho.
Na França, as gorjetas são submetidas, para todos os efeitos, ao regime jurídico do salário (v.g., são consideradas no cálculo das indenizações pagas pela dispensa imotivada). Elas não podem ser computadas no valor do salário fixo previsto contratualmente, mas devem ser acrescentadas a ele. Mas, ao se contratar o empregado, pode-se estabelecer que o seu salário consistirá apenas nas gorjetas, sendo-lhe assegurado, todavia, o salário mínimo, o que deve ser aferido mês a mês, sendo vedada qualquer compensação entre os meses [11].
A Convenção n. 172, de 1991, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que versa sobre as condições de trabalho em hotéis, restaurantes e estabelecimentos similares, por sua vez, dispõe, em seu art. 6o, que o trabalhador não pode ser remunerado exclusivamente através de gorjetas, in verbis:
"1. El término propina [gorjeta] significa el dinero que el cliente da voluntariamente al trabajador, además del que debe pagar por los servicios recibidos.
2. Independientemente de las propinas [gorjetas], los trabajadores interesados deberán recibir una remuneración básica que será abonada con regularidad". (grifos nossos)
No Direito espanhol, como vimos, remuneração e salário são expressões sinônimas. Apesar de o conceito legal de salário (art. 26, §1o, do ET) não mencionar expressamente que as parcelas que o integram devem ser pagas pelo empregador, a doutrina e a jurisprudência o interpretam desse modo. Assim, as gorjetas (denominadas propinas) não são consideradas como parte do salário (ou da remuneração) do empregado [12].
4. Salário: denominações
As denominações impróprias são aquelas que, apesar de fundadas na expressão salário, não se relacionam diretamente a ela.
No Direito previdenciário, temos como exemplos de demoninações impróprias as seguintes expressões: salário-de-contribuição (parâmetro remuneratório para o recolhimento previdenciário); salário-de-benefício (prestação paga pela Previdência); salário-família (parcelas pagas ao trabalhador de baixa renda, em função do número de dependentes, isto é, de pessoas inválidas ou menores de 14 anos; são repassadas ao obreiro pelo patrão, que se ressarce junto à Previdência através da compensação com os recolhimentos a esta devidos); salário-educação (contribuição social que se relaciona à obrigação empresarial de fornecer educação aos seus obreiros); salário-maternidade. Este corresponde à remuneração integral da obreira, não se submetendo ao teto previdenciário. No caso da doméstica e, a partir da Lei 10.710/2003, no caso da avulsa e da adotante de criança, é pago diretamente pela Previdência e, nos demais casos, é pago através do empregador, que procede à compensação. Até as Leis n. 6136/74 e n. 6332/76, o salário-maternidade era devido e pego pelo empregador, não pela Previdência Social.
As denominações próprias relacionam-se diretamente com o salário, mas dele se diferenciam, seja por causa da sua origem, seja por apresentar determinadas peculiaridades. Como exemplos, temos o salário mínimo (parâmetro salarial mais baixo que se pode pagar a um empregado no país); o salário profissional (parâmetro salarial mais baixo no contexto de determinadas profissões legalmente reguladas, como a Lei n. 3999/61, relativa aos médicos e cirurgiões-dentistas); o salário-normativo (parâmetro salarial mais baixo no contexto de determinada categoria profissional, fixado em sentença normativa); salário convencional (parâmetro salarial mais baixo no contexto de determinada categoria profissional, fixado em convenção ou acordo coletivo de trabalho); salário-base ou salário básico. Este consiste na espécie principal do complexo salarial, sendo uma contraprestação fixa principal, sem as demais parcelas salariais que a ela comumente se somam (v.g., adicionais, gratificações, prêmios, etc.).
Outros exemplos de denominações próprias são: salário isonômico (relativo ao tema da equiparação salarial, prevista no art. 461, CLT); salário eqüitativo (relativo à equivalência de remuneração entre trabalhador temporário e empregados da mesma categoria da empresa-cliente - Lei 6019/74, art. 12, "a"); salário substituição (quando ocorre substituição temporária, isto é, não meramente eventual, o substituto faz jus ao salário contratual do substituído - art. 450 da CLT e Súmula n. 159 do TST); salário supletivo (é fixado judicialmente, quando não houve estipulação ou não há prova do valor do salário - art. 460, CLT); salário complessivo (é a cumulação de diversas parcelas salariais em um mesmo montante indiferenciado, sendo vedado pela ordem jurídica - Súmula n. 91 do TST); salário-condição (trata-se de parcela que é suprimida quando desaparece a circunstância ou o fato que determinava o seu pagamento, como os adicionais em geral).
O salário pode ser pago em pecúnia (dinheiro) ou em bens ou serviços (utilidades). Esse último é denominado salário-utilidade ou in natura. Trata-se de prática antiga: dois mil anos antes de Cristo o Código de Hammurabi já o previa para os lavradores [13]. Também na Roma antiga era costume pagar aos domésticos com sal, sendo também este o pagamento que se fazia às legiões romanas para que comprassem comida. É inclusive daí – de sal - que vem a palavra salário, como vimos [14].
Na Revolução Industrial, o salário-utilidade serviu por vezes para explorar ainda mais o obreiro, mediante o truck system, isto é, o empregador pagava ao empregado com artigos por ele vendidos ou por meio de vales que só circulavam em seu estabelecimento. Esse sistema é proibido pela CLT (art. 462, §2o), mas ainda é praticado, sobretudo no meio rural [15].
Uma característica do salário-utilidade é o fato de se antecipar, em geral, à prestação do trabalhador, diversamente do que ocorre com o salário em pecúnia. Cumpre trazer à baila o art. 458 da CLT:
"Art. 458. Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas".
O rol traçado pelo dispositivo legal em tela é meramente exemplificativo, de modo que podem ser fornecidas outras utilidades, diversas daquelas mencionadas expressamente. Estas podem ser bens ou serviços (v.g., viagens anuais de férias). São excluídas expressamente as bebidas alcoólicas e as drogas nocivas, o que é aceito pela maioria da jurisprudência, havendo, todavia, algumas decisões em sentido contrário.
O professor Márcio Túlio Viana cita um exemplo em que a bebida alcóolica poderia ser considerada como salário-utilidade: um empregado comum, cujo salário em dinheiro é baixo, recebe por mês, a preço de custo, algumas garrafas da cachaça "Havana", produzida no norte de Minas. Considerando o seu alto valor econômico - custa mais caro que uma garrafa de "whisky 12 anos" – ele presumivelmente irá vendê-las. Nesse caso, a aplicação da norma celetista, ao invés de proteger o empregado, iria prejudicá-lo, negando o caráter salarial (e os reflexos daí advindos) a tais utilidades de alto valor [16].
A relevante observação desse autor, nos leva à seguinte questão: para se configurar uma utilidade, o bem deve ser consumido diretamente pelo trabalhador ou por sua família? É válido retribuir o trabalhador por meio de um bem que ele deverá vender posteriormente para obter o dinheiro, o que demanda dele tempo e esforço (isto é, mais trabalho)? Se a resposta for negativa, o pagamento mediante drogas ou bebidas alcoólicas, independentemente de seu valor, não poderia ser admitido, pois que o seu consumo direto é prejudicial ao obreiro.
No sentido da posição ora defendida, invocamos a Convenção n. 95/1949 da OIT, sobre a proteção do salário, a qual prevê em seu art. 4o o seguinte:
"1. La legislación nacional, los contratos colectivos o los laudos arbitrales podrán permitir el pago parcial del salario con prestaciones en especie en las industrias u ocupaciones en que esta forma de pago sea de uso corriente o conveniente a causa de la naturaleza de la industria u ocupación de que se trate. En ningún caso se deberá permitir el pago del salario con bebidas espirituosas o con drogas nocivas.
2. En los casos en que se autorice el pago parcial del salario con prestaciones en especie, se deberán tomar medidas pertinentes para garantizar que:
a) las prestaciones en especie sean apropiadas al uso personal del trabajador y de su familia, y redunden en beneficio de los mismos;
b) el valor atribuido a estas prestaciones sea justo y razonable". (nossos os destaques)
Consoante a Súmula 367, II, do TST, "a cigarro não se considera salário utilidade em face de sua nocividade à saúde". Na França, a Câmara Social da Corte de Cassação já considerou o fornecimento de cigarro como salário in natura [17].
Nem toda utilidade (bem ou serviço) fornecida pela empresa é salário, devendo estar presentes determinados requisitos. O primeiro deles é a habitualidade, isto é, o fornecimento do bem ou serviço há de se reiterar ao longo do contrato (uma concessão meramente eventual não gera obrigação contratual ao empregador), podendo até mesmo ser semestral ou anual. Mas se foi pactuada expressamente a utilidade e ela nunca foi paga, ou seja, não houve habitualidade? Não importa: é uma obrigação devida pelo empregador. A habitualidade assume grande relevância para revelar a pactuação tácita.
O segundo requisito é o caráter contraprestativo, ou seja, a utilidade deve ser fornecida com preponderante intuito retributivo (vantagem oferecida ao empregado). Em razão disso, não configuram salário-utilidade os bens ou serviços fornecidos para viabilizar a prestação laboral (v.g., alimentação em caso de trabalho em plataformas marítimas ou em locais longínquos, moradia do caseiro que cuida do sítio) ou aperfeiçoá-la (v.g., uniforme, curso de informática). Mesmo que essas utilidades representem uma vantagem ao empregado, o objetivo principal do fornecimento não é esse. Elas são fornecidas "para o trabalho" e não "pelo trabalho".
De fato, como preceitua o art. 458, §2o, I, da CLT: "para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: I - vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço" (grifos nossos).
A jurisprudência às vezes invoca um terceiro requisito: a onerosidade unilateral. Assim, somente seria salário a utilidade fornecida com onerosidade exclusiva por parte do empregador, sem participação econômica obreira. Um exemplo seria o fornecimento pela empresa de alimentação (não nos moldes do Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT), cobrando do empregado um valor simbólico. Segundo esse requisito, tal utilidade não teria caráter salarial.
Esse critério, no entanto, permite a prática de simulações, razão pela qual é rejeitado pela maioria da doutrina e da jurisprudência, a qual afirma a existência apenas dos dois critérios acima referidos (habitualidade e caráter contraprestativo).
Há, todavia, algumas situações em que a empresa organiza programas ou atividades (v.g., clube recreativo), que são custeados verdadeiramente pelos trabalhadores -, sendo, inclusive, válido o desconto salarial (Súmula n. 342 do TST) -, embora uma parte possa ser subsidiada pela empresa. Nesses casos, o terceiro requisito acima citado poderia ser invocado.
Segundo a Súmula 367, I, do TST, a habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho (e não somente por torná-lo mais cômodo), não têm natureza salarial, ainda que, no caso do veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares. Essa parte final da súmula configura, na realidade, uma verdadeira exclusão da natureza salarial de uma parcela que substancialmente tem esse caráter, feita pela jurisprudência do TST.
Também não configuram salário-utilidade os bens ou serviços fornecidos em razão de dever legal do empregador, pois este os fornece não para propiciar uma vantagem ao trabalhador, mas porque a lei o obriga a fazê-lo. Um exemplo são os equipamentos de proteção individual (EPIs).
Nesse ponto é necessário fazer uma breve reflexão. Propiciar educação (ensino fundamental) aos empregados e aos seus filhos é um dever das empresas, que pode ser cumprido ou pelo recolhimento do salário-educação ou por meio de ações diretas. Assim, a prestação desse serviço educacional pelo empregador não será salário-utilidade.
Com relação ao fornecimento de transporte, "durante muito tempo, doutrina e jurisprudência entenderam, com razão, que a condução fornecida pelo trabalho seria salário. Mas a Lei n. 7.418, que criou o vale-transporte, veio dispor que a importância para pelo empregador, para custear o benefício, não tem natureza salarial e o empregador que fornece a condução in natura goza da mesma vantagem" [18].
E no que tange à assistência médica, hospitalar e odontológica, seguros de vida ou de acidentes pessoais, previdência privada? Seriam também deveres legais do empregador? Ou seja, se o empregador não fornece esses serviços, ele está inadimplente? Se não, então como se afirma que se trata de um dever legal? De fato, no caso da educação, o empregador é obrigado a pagar o salário-educação caso não forneça a prestação in natura, mas isso não ocorre em relação às demais utilidades acima mencionadas.
Não se trataria então de utilidades substancialmente salariais, mas cuja natureza salarial foi retirada pela lei como forma de incentivo ao seu fornecimento, como ocorre com a alimentação na forma do PAT? Por outro lado, esse sistema é vantajoso para a empresa: ela oferece essas vantagens (que não geram reflexos salariais) e, assim, pode pactuar um salário menor. Essa exclusão, efetuada recentemente (Lei n. 10.243/2001), seria uma medida de flexibilização do Direito do Trabalho? Seria prejudicial ao trabalhador? Cumpre notar qye tal medida gera também perda de receita tributária (contribuições previdenciárias) para os cofres públicos.
O professor Márcio Túlio Viana denomina esse fenômeno de "de-salarização": dentro da tendência excludente do novo modelo econômico, parcelas que eram tidas como salariais vão deixando de ser assim consideradas, seja pelo legislador (v.g., Lei n. 10.243/2001 e Lei n. 9030, no caso do rurícola), seja pela doutrina e jurisprudência (v.g., Súmula n. 367, I, do TST). A razão para isso não é científica, mas sim econômica, respaldada pela nova ideologia [19].
A doutrina considera que uma utilidade substancialmente salarial pode ter esse caráter excluído pela norma jurídica (lei, convenção ou acordo coletivo, sentença normativa), mas não por cláusula contratual. Um exemplo é a alimentação, que, em regra, é salário-utilidade (Súmula n. 241 do TST), mas sob a forma do PAT não o é (art. 3o da Lei 6321/76 e OJ 133,SDI-I, do TST). Outro exemplo são os diplomas convencionais que excluem o caráter salarial da cesta básica.
Cumpre destacar a discussão sobre os denominados fringe benefits ou "benefícios marginais", em geral destinados a atrair altos empregados (v.g., refeições, títulos de clubes campestres, opção de compras de ações a preços baixos, subsidiados). Tais utilidades, substancialmente, têm natureza salarial. Todavia, enquanto que de algumas delas (e.g., seguro de vida, assistência médica) a legislação brasileira excluiu expressamente o caráter salarial, como vimos, outras vêm sendo consideradas por parte da doutrina e da jurisprudência como não-salariais, não sendo em geral computadas pelas empresas que a pagam.
Mas qual a importância de se determinar se uma utilidade fornecida pelo empregador é ou não salário? É pela produção dos efeitos próprios ao salário, isto é, o seu necessário reflexo sobre outras verbas contratuais. A extensão desses efeitos dependerá da modalidade de salários em que se enquadra a utilidade. Geralmente ela compõe o salário-básico (e.g., habitação), refletindo no 13o salário (sendo um mês fictício, todas as utilidades são transformadas em dinheiro, inclusive a moradia), depósitos do FGTS, recolhimento previdenciário, gratificação de 1/3 nas férias (se o bem continua a ser fruído nas férias; caso contrário, como no caso de alimentação fornecida em refeitório da empresa, não nos moldes do PAT, deve-se apurar o valor pecuniário da utilidade para computá-la na remuneração das férias e na respectiva gratificação). Mas a utilidade pode se configurar também como gratificação, quando ela não é fornecida mensalmente, mas sim semestral ou anualmente (v.g., viagem anual de férias), produzindo os respectivos reflexos (Súmula n. 253 do TST).
5.1. O salário-utilidade no Direito comparado
Na Itália, a Corte de Cassação, na decisão n. 1428, de 11 de fevereiro de 1998, considerou que o uso pessoal do automóvel tem natureza salarial [20].
Na Espanha, o automóvel fornecido para o uso pessoal do empregado é considerado salário in natura. A contratação coletiva pode excluir a natureza salarial de determinadas vantagens propiciadas pelo empregador (v.g., vendas de produtos ou prestação de serviços pela empresa a seus trabalhadores a preços mais baixos dos que o de mercado) [21].
Na França, não têm natureza salarial, dentre outras utilidades, o fornecimento de uniforme (não pode o patrão impor ao trabalhador a participação no seu custeio), de instrumentos de trabalho, o transporte do trabalhador ao local do serviço e o uso de automóvel para o serviço. Todavia, o fornecimento de veículo para uso fora do serviço é considerado salário in natura [22].
A Câmara Social da Corte de Cassação francesa já considerou que o fornecimento de uma moradia em troca de um pagamento módico configura o salário in natura [23].
Na Itália, os denominados fringe benefits (v.g., automóvel de uso pessoal, seguros, etc.) são considerados salário-utilidade. Isso é reafirmado pela doutrina e pela jurisprudência. Ilustrativamente, a Corte de Cassação italiana, na decisão n. 1428, de 11 de fevereiro de 1998, considerou que o uso pessoal do automóvel tem natureza salarial [24].
Na Espanha, a lei específica que regula a relação de trabalho dos altos empregados (Real Decreto n. 1382/85) permite que seu salário seja pago, em parte, por meio de utilidades (art. 4o, §2o), de forma que os fringe benefits são considerados salário in natura [25].
5.2. O valor da utilidade
A CLT, em seu art. 82, parágrafo único, prevê que ao menos 30% do salário-mínimo deve ser pago em dinheiro. Com relação aos empregados que percebem mais do que o salário mínimo, há duas correntes: a primeira, seguinda pelo professor Mauricio Godinho Delgado, defende que eles devem receber em dinheiro 30% do valor do salário mínimo [26], ao passo que a segunda vertente, defendida pelos professores Márcio Túlio Viana e Amauri Mascaro Nascimento, sustenta que eles devem receber 30% do salário-contratual [27].
A vantagem da utilidade consiste na preservação do valor do salário contra a inflação e a sua desvantagem corresponde à maior restrição à liberdade de escolha do empregado.
5.3. O valor da utilidade no Direito comparado
Na Itália, a lei admite expressamente que o salário seja pago in natura, mas, ao contrário da CLT, não impõe que um valor mínimo deva ser pago em dinheiro. Com efeito, o Código Civil de 1942, em seu art. 2099, parágrafo único, prevê que "o trabalhador pode também ser retribuído no todo ou em parte com participação nos lucros, com comissões ou com prestações in natura" (grifos nossos).
Na França, as utilidades também podem compor o salário do obreiro, produzindo todos os efeitos daí advindos: consideração do seu valor no cálculo do SMIC (salário mínimo); das indenizações substitutivas das férias, do aviso-prévio e relativa à dispensa imotivada; nos recolhimentos previdenciários e fiscais, etc. Nesses casos, é necessária a determinação do valor pecuniário da utilidade, o que pode ser feito por via regulamentar ou pela autonomia coletiva, e, na ausência destes, deve-se buscar o seu valor real.
O salário do trabalhador pode ser pago exclusivamente em utilidades (travail au pair), sob a condição de que seu valor não seja inferior ao SMIC. Demais disso, é proibido o pagamento por meio de cupons válidos para a compra nos armazéns empresariais (truck system).
Na Espanha, o conceito legal de salário (art. 26, §1o, do ET, acima transcrito) afirma que ele pode ser pago "en dinero" ou "en especie", constituindo esse último o salário em utilidades. A ordem jurídica espanhola, no entanto, estabelece várias restrições ao pagamento do salário em utilidades, para evitar abusos e prejuízos ao trabalhador, ocorridos em épocas passadas. Ilustrativamente, o art. 26, §1o, do ET, estabelece que em nenhum caso o salário in natura poderá superar 30% do salário do trabalhador. Observa-se que é o contrário do art. 82, parágrafo único, da CLT, que prevê que 30% do salário deve ser pago em dinheiro.
No caso dos empregados domésticos, há uma norma específica (art. 6o, §2o, do Real Decreto n. 1424/1985), que determina um percentual maior: até 45% do salário pode ser pago em utilidades, como moradia e alimentação.
A Convenção n. 95/1949 da OIT, sobre a proteção do salário, prevê em seu art. 4o o seguinte:
"1. La legislación nacional, los contratos colectivos o los laudos arbitrales podrán permitir el pago parcial del salario con prestaciones en especie en las industrias u ocupaciones en que esta forma de pago sea de uso corriente o conveniente a causa de la naturaleza de la industria u ocupación de que se trate.(...)."
2. En los casos en que se autorice el pago parcial del salario con prestaciones en especie, se deberán tomar medidas pertinentes para garantizar que (...)" (destaques nossos).
5.4. As utilidades e o salário mínimo
Como vimos, o art. 6o da Lei 8542/92 dispõe que o salário mínimo deve atender a nove necessidades: moradia, alimentação, transporte, vestuário, higiene, previdência social, educação, saúde e lazer. Com exceção da previdência social, tais necessidades poderiam ser supridas, ao menos em parte, por meio de utilidades.
Um questionamento que se pode fazer é se outras utilidades, além das mencionadas na norma, podem ser utilizadas pelo empregador para remunerar o obreiro que percebe salário-mínimo. Tratando-se de necessidades vitais básicas, elas são insubstituíveis, são imprescindíveis à sobrevivência do trabalhador e, portanto, não poderiam ser suprimidas mediante a sua substituição por outra utilidade. Mas, caso fornecida, essa utilidade diversa tem natureza salarial, somando-se ao salário-mínimo.
Mas caso se trate de um salário superior ao mínimo, a resposta seria positiva, pois não há limite para as utilidades possíveis, desde que se respeite o pagamento de 30% em dinheiro e não se trate de bebida alcóolica ou droga nociva.
Se o obreiro recebe apenas o salário-mínimo, o valor da utilidade fornecida não pode ultrapassar aquele fixado em lei. Antes esses valores eram estabelecidos por Decreto do Poder Executivo para cada região. A Lei n. 8860/94 inseriu na CLT o valor de 2 utilidades (art. 458, §1o c/c arts. 81 e 82) : habitação (25%) e alimentação (20%).
Uma questão que pode ser levantada é: no caso do salário-mínimo, qual seria o valor das demais utilidades mencionadas na norma? Uma primeira corrente defende que não poderiam as demais necessidades ser pagas in natura (somente a moradia e alimentação), pois a lei não determina o seu valor. A segunda corrente diz que o valor das utilidades poderia ser fixado pelas partes, pela negociação coletiva ou pelo juiz, em caso de reclamação trabalhista.
Mas se o obreiro recebe salário maior do que o salário-mínimo, o valor de cada utilidade deve ser o real. De fato, ilustrativamente, não é razoável dizer que um grande apartamento, situada em área nobre, corresponda a 25% do salário-mínimo. Nesse sentido é a Súmula n. 258 do TST: "os percentuais fixados em lei relativos ao salário "in natura" apenas se referem às hipóteses em que o empregado percebe salário mínimo, apurando-se, nas demais, o real valor da utilidade" (grifos nossso).
Porém, consoante determina o art. 458, §1o, da CLT, deve-se respeitar o limite dos percentuais legais acima mencionados, incidentes sobre o salário contratual. Assim, no exemplo acima mencionado, o valor máximo atribuído ao apartamento deve ser 25% do salário contratual, pois que, caso contrário, ele poderia representar uma parte enorme do salário obreiro, encontrando limite apenas na regra do mínimo de 30% em dinheiro, o que não é razoável.
5.5. Especificidades do salário-utilidade do rurícula
A Lei n. 5.889/73 prevê um rol taxativo de utilidades que podem ser consideradas como salário: apenas moradia (20%) e alimentação "farta e sadia" (25%). Assim, outras utilidades fornecidas habitualmente, embora integrem o contrato (não podendo ser suprimidas), não configuram salário, não produzindo os respectivos reflexos, segundo a doutrina majoritária, a qual é seguida pelo professor Mauricio Godinho Delgado [28]. Mas o professor Márcio Túlio Viana entende que essas utilidades têm natureza salarial: quando a lei fala que elas não podem ser descontadas (art. 9o da Lei n. 5889/73) quer dizer tão somente que elas não poderão ser computadas no montante do salário, mas deverão ser sempre somadas ao seu valor líquido em dinheiro [29].
O valor das duas utilidades acima mencionadas é calculado sempre sobre o salário mínimo, ainda que o salário contratual seja superior a este. É possível elidir o caráter salarial das duas utilidades em tela, a partir da alteração introduzida pela Lei n. 9300/96. Para tanto, devem ser respeitadas quatro exigências: a cláusula deve ser expressa; deve estar inserida em contrato escrito; o contrato deve ser celebrado com testemunhas; deve haver notificação obrigatória ao sindicato obreiro. Para o professor Márcio Túlio Viana, essa notificação deve ser prévia, para que o sindicato possa assistir o trabalhador [30].
6. O salário mínimo no Direito comparado
Na Itália, não há uma norma que institua o salário mínimo, como ocorre no Direito brasileiro, mas a Constituição italiana de 1948, em seu art. 36, §1o, estabelece o princípio da suficiência da remuneração, in verbis: "o trabalhador tem direito a uma remuneração proporcional à quantidade e qualidade do seu trabalho e em todo caso suficiente a assegurar a si e à sua família uma existência livre e digna" (grifos nossos).
A norma constitucional em tela, mais abstrata e principiológica do que o art. 7o, IV, da Constituição brasileira de 1988, certamente seria considerada de eficácia limitada pelo STF. Todavia, a jurisprudência italiana corajosamente reconheceu a sua eficácia imediata, impondo, no caso concreto, a obrigação de o patrão pagar a retribuição suficiente. Os juízes passaram a declarar a nulidade da cláusula retributiva do contrato individual, com a conseqüente fixação da justa remuneração. As primeiras decisões da Corte de Cassação nesse sentido datam do início da década de 50, pouco tempo depois, portanto, da promulgação da Constituição de 1948 [31].
O valor da remuneração suficiente é mutável historicamente, variando com a evolução das relações econômico-sociais e dos costumes. Nesse sentido, a negociação coletiva exerce papel de grande importância na sua determinação, vez que se encontra em posição de avaliar melhor os aspectos macroecônomicos globais ou específicos (setor produtivo e empresas envolvidas). Todavia, em virtude da liberdade sindical, pode ocorrer que o trabalhador que reclame a suficiência de sua remuneração não esteja submetido à regência do contrato coletivo. Não obstante, nessa hipótese a jurisprudência por vezes recorre ao valor estabelecido pela autonomia coletiva, mas avalia também as peculiaridades do caso concreto (como o custo de vida daquela determinada região).
Observa-se que não se trata de simples extensão "erga omnes" das clásulas retributivas dos contratos coletivos, mas sim da aplicação judicial de um princípio geral que encontra um importante parâmetro de referência na norma coletiva, a ser adaptado, caso necessário, ao caso concreto. Com efeito, a Corte de Cassação já afirmou que a norma coletiva é apenas um parâmetro de orientação (v.g., decisão n. 38, de 29 de janeiro de 2001) [32]. A dúvida surge no caso de um trabalhador demandar uma remuneração de valor superior ao estabelecido no contrato coletivo a que está submetido, alegando não ser este suficiente. Uma corrente afirma que não seria possível ao juiz interferir na autonomia coletiva, determinando um valor diverso [33]. Todavia há algumas decisões judiciais em sentido contrário, as quais, todavia, atribuem ao trabalhador o ônus de provar a insuficiência da remuneração prevista no contrato coletivo [34].
Por : Lorena V. Porto