Se você fizer uma busca bibliográfica sobre o tema ficará surpreso por encontrar nada ou quase nada escrito de maneira consistente. O que encontrará são ainda publicações que giram em torno de traços de personalidade ou estilos (produtor, dominante, intuitivo, conformado, introvertido, pensamento, etc.), produtos das pesquisas em trabalhos clínicos da Psicologia, ou ainda sobre Inteligência (raciocínio, QI, emoções, múltiplas inteligências, etc.), mas não Potencial em organizações.
A definição conceitual aliada à pesquisa "on-the-job", com validação longitudinal das pesquisas e do conceito, continuidade e atualidade da prática fundamentada por técnicas, além da inserção e teste no ambiente organizacional só aparecem nos trabalhos do Dr. Elliott Jaques (Brunel University e Tavistock Institute - Londres). Para Jaques e seguidores, a Análise de Potencial deve responder a três perguntas mínimas: quem (quais e quantas pessoas), em que (atuando em qual nível de complexidade) e quando (com que idade ou daqui a quanto tempo). Sem estas três respostas, não se está falando de Análise de Potencial!
Jaques define Potencial através do conceito Capability. Capacidade é aquela qualidade que define o escopo - não o conteúdo - do trabalho que uma pessoa pode executar. Enquanto que conteúdo pode se referir aos conhecimentos e habilidades específicas que uma pessoa precisa ter, o escopo tem a ver com o nível de complexidade do trabalho a ser feito, e que irá requerer uma determinada Capacidade. Potencial tem a ver, então, com lidar com a complexidade. Jaques integra o entendimento de Níveis de Complexidade do Trabalho - WORK LEVELS - como o tipo de capacidade necessária para levar adiante tal trabalho.
O Potencial é algo fixo?
Jaques estudou o Potencial humano em organizações ao longo de pesquisas de mais de 20 anos, e ainda continua a pesquisar. Diferente de algumas hipóteses que afirmam que nossa capacidade cresce, estabiliza e declina (vide algumas definições de inteligência e teorias do desenvolvimento), para Jaques nossa Capacidade se desdobra e desenvolve-se ao longo do tempo, através de diferentes padrões ou curvas de amadurecimento. As diferenças aparecem entre as pessoas (independente de sexo e raça). Nem todos temos a mesma capacidade, e nos diferenciamos por crescer através de diferentes padrões. Por um lado, não falamos de Potencial como algo fixo. De outro, dizemos que a Capacidade difere de pessoa para pessoa. Nem todos temos capacidade para ser o primeiro executivo de uma companhia! Contudo, nossa capacidade potencial será sempre maior ao longo do tempo, independente de escolaridade, treinamento ou MBA. A vida é suficientemente estimulante para que um organismo encontre desafios para realizar sua capacidade.
O sistema Work Levels assume três estados com relação a Análise de Potencial:
a) Capacidade Potencial Atual: nível máximo de complexidade que uma pessoa pode assumir na fase atual de seu desenvolvimento;
b) Capacidade Atual Aplicada: nível de performance atual de uma pessoa, influenciado pela possibilidade de usar ou não toda a sua capacidade atual, pelos seus conhecimentos hábeis ou competências e pelo quanto valoriza o que está fazendo. Esta capacidade pode ser igual ou menor que a Capacidade Potencial Atual;
c) Capacidade Potencial Futura: o nível máximo de complexidade que uma pessoa poderá vir a atuar.
Quais os objetivos de uma Análise de Potencial (AP)?
Para as Organizações
a) Alinhar estrutura e pessoas. Quando integramos níveis de complexidade do trabalho com capacidade, estamos falando de um modelo orientado para a alavancagem da performance de uma Organização. Neste sentido a AP deve ser um sistema capaz de falar de estrutura organizacional, de estratégia, de alinhamento de pessoas e suas competências e capacidades. A Análise de Potencial, nesta linha, não é um sistema de análise de perfil, tipo seleção de pessoal e, sim, um sistema que permite que a Organização discuta como se organiza, como discute seus níveis de trabalho, como alinha logicamente os diferentes desafios de uma Organização com as capacidades das pessoas, buscando complementariedade cognitiva entre os diferentes níveis de complexidade de trabalho. Só então estaremos falando de um pleno uso da inteligência coletiva.
b) Talent Pool. Configuração de um mapa que permita a organização "enxergar" o potencial humano e os padrões de crescimento das capacidades ao longo do tempo. Isto permite que a empresa possa atuar de maneira planejada com seus recursos humanos: desde seleção planejada - de trainees a executivos - sucessão, reversão de padrões de desempenho, descoberta de talentos para funções de inovação, carreiras internacionais, entre outros.
Para os Indivíduos
a) Alinhamento entre capacidade e complexidade do trabalho. Uma das maiores fontes de stress é o desalinhamento entre capacidade e desafio do trabalho. Normalmente, decisões de qualidade são tomadas quando estes dois componentes estão alinhados. Quando as pessoas estão "fora de fluxo" (capacidade e complexidade não integrados), existem perdas para a empresa - decisões impróprias, desperdícios, adiamentos - como também para a pessoa - ansiedade, frustração ou apatia e somatização.
b) Condução da própria carreira: O autoconhecimento é ainda um dos melhores remédios para a felicidade pessoal. Conhecer o próprio potencial é um benefício. Entender o desdobramento do potencial ao longo do tempo nos permite antecipar fases de transição. Ao longo do tempo nossa capacidade se desdobra e transita de um nível para outro de complexidade. Cada mudança no nível de complexidade faz com que nossa visão de mundo se modifique, se transforme, e busquemos outros desafios. E precisamos estar preparados para as transições, refletindo sobre nossos valores e possibilidades. Aqui a AP toma um caráter essencialmente educativo. Saber reconhecer os próprios limites é sabedoria. O discurso - enganoso - de que todos temos que ser empreendedores, falar 4 ou 5 idiomas, ser um "Leonardo da Vinci", parece-nos que traz mais ilusão, do que auxilia as pessoas com relação a suas carreiras. Nem todos temos esta capacidade. Mas todos temos uma capacidade, singular, que podemos conhecer e utilizar. Em vez de se dar falsas mensagens sobre um perfil genérico, idealizado, ilusório, deveríamos investir em como saber aproveitar o potencial das pessoas, que elas de fato têm! Isto sim é desafiador. O contrário, parece-nos, é vender ilusão!
Existe diferença entre Inteligência e Potencial?
Sim. Normalmente as avaliações de inteligência tratam da capacidade como algo fixo, estático. No conceito que utilizamos, Potencial é algo que se desdobra. Além do mais, inteligência normalmente é definida como a capacidade de resolver problemas. Contudo, os testes que avaliam a Inteligência são altamente influenciados por habilidades lógicas, e aplicados em condições altamente estáveis e controladas: pessoa trabalhando sozinha, conjunto de informações disponíveis, alternativas de solução, e a pessoa não está envolvida com cogitar, tomar e produzir decisões. As pesquisas (vide bibliografia), demonstram que não há qualquer correlação entre sucesso na vida prática e inteligência.
Como se avalia o Potencial?
Dentro do conceito de capacidade, o Potencial é avaliado através de instrumentos específicos, desenvolvidos pelo BIOSS - Londres, e pelo próprio Jaques, quando define os tipos de processamento mental - declarativo, cumulativo, serial e paralelo, e os diferentes níveis de qualidade da informação - numérico - verbal e conceitual. O BIOSS trabalha com o IRIS - Initial Recruitment Interview Schedule, uma entrevista estruturada, quantificável, cujo output é o nível da capacidade atual e a tendência de crescimento para os próximos 15 anos. Este processo é utilizado, principalmente, para início de carreira - busca de talentos. Um segundo processo é o CPA (Career Path Apreciation) com o mesmo objetivo, conduzido com profissionais seniores e executivos. Para se avaliar o Potencial é necessário um processo que permita compreender a atitude mental das pessoas para com o trabalho - seu escopo. Isto requer interação.
Testes avaliam o Potencial?
Dentro da definição que propusemos, não! Pesquisas conduzidas tanto pela equipe de McClelland como de Jaques, mostram muito pouca correlação entre os testes tradicionais e a capacidade na vida prática. Isto por razões relativamente óbvias: os testes são todos estruturados, oferecem alternativas definidas, têm tempo definido. A vida não é assim. As situações da vida aparecem de maneira imprevisível, sem respostas definidas. Muitas das principais decisões de um executivo acontecem em ambiente de incerteza e sua capacidade de antecipar e captar o implícito define a qualidade de suas decisões, muitas das quais só serão verificadas em horizontes de 5 a 10 anos.
Igualmente, testes do tipo 16 PF, MBTI, PPA, PI e semelhantes, em nada medem capacidade ou potencial. Falam de estilos de personalidade, mas não respondem a questões básicas - com quem, em que e quando - e muito menos diferenciam as pessoas. Estilos analíticos, pensamento, sentimento, podem estar presentes em qualquer nível de complexidade de trabalho. Tanto uma função simples como a de um alto executivo pode comportar um tipo intuitivo ou sensação atuando! Igualmente com os tipos dominantes ou outros fatores quaisquer. Você pode ser intuitivo, com uma capacidade "X", e também ser intuitivo com uma capacidade "Y". Não existem correlações entre estilo de personalidade e capacidade ou potencial! Na nossa prática, o que normalmente fazemos é identificar quais traços de personalidade seriam "negativos" para a inclusão de uma determinada pessoa num sistema. Os traços positivos devem fazer parte da grande diversidade dos estilos dos indivíduos. Avaliá-los pode ser de pouca relevância.
Existe diferença entre Competência e Potencial?
Se Potencial tem a ver com o escopo do trabalho a ser conduzido, Competência tem a ver com a habilidade em fazer tal trabalho acontecer na prática. Ambos são necessários se quisermos falar de performance ou desempenho. Mas Potencial é condição necessária. O Potencial dá os limites. As Competências garantem a performance dentro deles. Exemplo. Você pode dizer que uma pessoa tem boa competência analítica. Isto não garante que ela consiga lidar com problemas que exijam enfrentar incertezas, já que as informações são pouco claras, as possibilidades de decisão são múltiplas, e este ambiente de ambigüidade irá requerer outros componentes da capacidade que não a análise. É necessária a capacidade de apreender este mundo incerto e intuí-lo, articulá-lo e transformar esta apreensão em estratégias e ações. Do mesmo modo, liderança. Podemos exercer a liderança em diferentes níveis de complexidade num sistema. Contudo, liderar diretamente uma equipe em linha de produção é diferente de liderar um grupo de executivos que precisam de visão e direção estratégica. Produzir esta visão e direção é muito mais do que liderar um grupo em ambientes controlados, como um escritório, e é muito mais do que liderar apenas.
Conclusões
A Análise de Potencial, em nossa prática, busca uma intervenção no sistema humano: alinhar estrutura organizacional, estratégia, valores e capacidade. Há muito a Análise de Potencial deixou de ser uma atividade do tipo seleção de pessoal. A possibilidade de se compreender natureza humana e trabalho, tal qual propõe a teoria Work Levels, está alinhada com o que se compreende , hoje, como a terceira onda da administração - a corrente européia ou cognitiva. A Análise de Potencial é uma possibilidade de alavancar a performance do negócio, muito além dos perfis de cargo até então praticados.