INTRODUÇÃO
Muitas metáforas podem ser usadas na tentativa de explicar o funcionamento das organizações. Morgan (1996) descrever algumas, a saber:
Organizações como máquinas: desenvolvimento da organização burocrática; máquinas feitas de partes que se interligam, cada uma desempenhando um papel claramente definido no funcionamento do todo;
Organizações como organismos: compreender e administrar as "necessidades" organizacionais e as relações com o ambiente, diferentes tipos de organizações como pertencendo a diferentes espécies;
Organizações como cérebros: importância do processamento de informações, aprendizagem e inteligência; cérebro como um computador, cérebro como um holograma;
Organizações como culturas: realidades socialmente construídas sustentadas por um conjunto de idéias, valores, normas, rituais e crenças;
Organizações como sistemas políticos: sistemas de governo baseados em vários princípios políticos que legitimam diferentes tipos de regras assim como os fatores específicos que delineiam a política da vida organizacional;
Organizações como prisões psíquicas: as pessoas caem nas armadilhas dos seus próprios pensamentos, idéias e crenças ou preocupações que se originam na dimensão inconsciente da mente;
Organizações como fluxo e transformação: compreensão da lógica de mudança que dá forma à vida social (sistemas autoprodutores, causalidade mútua, lógica dialética);
Organizações como instrumentos de dominação: aspectos potencialmente exploradores das organizações; sua essência repousa sobre um processo de dominação em que certas pessoas impõem seus desejos sobre as outras.
O presente trabalho propõe-se a abordar as organizações vistas como culturas e as organizações vistas como fluxo e transformação, ou seja, pretende enfocar as relações entre cultura e mudança organizacional. Para tanto, apresentaremos o texto "Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho", de autoria anônima. Por meio deste conto abordaremos o conceito de cultura e as formas culturais existentes nas organizações. Através da lenda enfatizaremos também o papel do agente de mudanças, delineando algumas visões sobre a mudança organizacional e os fatores-chave que nela intervêm.
A HISTÓRIA
A seguir, apresentamos o texto, pedindo a atenção do leitor para as partes por nós grifadas para posterior análise.
Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho
No centro de formoso jardim, havia um grande lago (1), adornado de ladrilhos azul-turquesa.
Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita.
Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes (2) a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de Rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguiça. Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho (4) menosprezado de todos.
Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.
Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.
O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome.
Não encontrando pouso no vastíssimo domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse.
Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniriam maior massa de lama por ocasião de aguaceiros.
Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro (6).
À frente da imprevista oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo:
– "Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?"
Optou pela mudança.
Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima.
Pronunciando votos renovadores, avançou, otimista pelo rego d'água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu embriagado de esperança...
Em breve, alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos.
Encontrou peixes de muitas famílias diferentes que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhes mais fácil roteiro.
Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo.
Habituado com pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e agilidade naturais.
Conseguiu, desse modo, atingir o oceano (5), ébrio de novidade e sedento de estudo.
De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia (7) para quem toda água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária.
Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos peixes, rogando proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas.
O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações.
Plenamente transformado sem suas concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.
Vivia, agora, sorridente e calmo, no palácio de coral (9) que elegera, com centenas de amigos, para residência ditosa, quando, aos se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.
O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles.
Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los, prestando-lhes o tempo valiosas informações?
Não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no palácio de coral, compreendeu comprida viagem de volta.
Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.
Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros. Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supões que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia.
Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de lótus, de onde saíam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis.
Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porquanto ninguém, ali havia dado pela ausência dele. Ridicularizado, procurou, então, o Rei de guelras enormes (3) e comunicou-lhe a reveladora aventura.
O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro mundo líquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma insignificância que podia desaparecer de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao palácio do coral, onde viveriam todos, prósperos e tranqüilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à aventurosa jornada.
Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção. Ninguém acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquela história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.
O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até à grade de escoamento e, tentando de longe, a travessia, exclamou, borbulhante:
– "Não vês que não cabe aqui nem uma só das minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! Não nos perturbe o bem-estar...Nosso lago é o centro do universo...Ninguém possui vida igual à nossa!..."
Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no palácio de coral, aguardando o tempo.
Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca (8).
As águas desceram de nível. E o poço onde vivam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a aparecer, atolada na lama...
Apresentada a história, faremos associações entre alguns elementos do texto e aqueles elementos que encontramos na cultura de uma organização, notadamente a dificuldade em gerir a mudança e o papel fundamental do agente de mudança (embora, nesta história, ele não tenha conseguido "salvar" a sua comunidade "organizacional").
PARALELO: HISTÓRIA COM CULTURA E MUDANÇA ORGANIZACIONAL
Destacamos alguns personagens e símbolos que julgamos importantes para o alcance do objetivo de nosso artigo, qual seja, fazer um paralelo entre a história com a cultura e transformações de uma empresa.
(1) Um grande lago e (2) uma Comunidade de Peixes: A Organização e sua Cultura
O grande lago e a comunidade de peixes representam na nossa realidade a organização e a sua cultura. Não nos esqueçamos de que o lago é apenas o locus organizacional, posto que a comunidade (indivíduos e sua cultura) é que verdadeiramente "cria" a organização. A cultura organizacional, por sua vez, é formada por políticas internas e externas, sistemas, crenças, valores e clima organizacional.
O interesse sobre cultura organizacional recrudesceu nos anos 70, devido ao fenômeno japonês. O Japão surgiu como líder do poder industrial, apesar de não ter recursos naturais, não ter energia e ser um país superpovoado (mais de 110 milhões de habitantes). Entretanto, nenhum desses fatores impediu que houvesse um alto nível de crescimento, um baixo nível de desemprego e a mis bem-remunerada e saudável população trabalhadora do mundo. Assim, entender a cultura desse povo tornou-se importante para compreender a sua ascensão na economia mundial.
Segundo Fleury (1991), há vários caminhos para se desvendar a cultura de uma organização. Dentre eles destacam-se:
O Histórico das Organizações: o momento de criação de uma organização e sua inserção no contexto político e econômico da época propiciam o pano de fundo necessário para compreensão da natureza da organização, suas metas, seus objetivos. O fundador neste contexto tem um papel fundamental, pois ele detém a concepção global sobre o projeto da organização e tem o poder para estruturá-la, desenvolvê-la e tecer elementos simbólicos consistentes com esta visão.
Os incidentes críticos por que passou a organização, tais como crises, expansões, pontos de inflexão, de fracassos ou sucessos também são formadores de sua história. Nestes momentos, o tecido simbólico se revela mais facilmente ao pesquisador, pois certos valores importantes de serem preservados ou, pelo contrário, questionados, emergem com maior nitidez;
O Processo de Socialização de Novos Membros: o momento de socialização é crucial para a reprodução do universo simbólico. É através das estratégias de integração do indivíduo à organização que os valores e comportamento vão sendo transmitidos e incorporados pelos novos membros. As estratégias mais usuais são os programas de treinamento e integração de novos funcionários. Os rituais de socialização desempenham ao mesmo tempo o papel de inclusão do indivíduo ao grupo e delimitação do processo de exclusão dos demais;
As Políticas de Recursos Humanos: as políticas de recursos humanos têm papel relevante no processo de construção de identidade da organização por serem as mediadoras da relação entre capital e trabalho. Analisando as políticas explícitas e principalmente as políticas implícitas de recursos humanos de uma organização é possível decifrar e interpretar os padrões culturais desta organização;
O Processo de Comunicação: a comunicação é um dos elementos essenciais no processo de criação, transmissão e cristalização do universo simbólico de uma organização. É preciso identificar os meios formais orais (contactos diretos, reuniões, telefonemas) e escritos (jornais, circulares, "memos") e os meios informais, como por exemplo a "rádio-peão". O mapeamento dos meios permite o desvendar das relações entre categorias, grupos e áreas da organização;
A Organização do Processo de Trabalho: a análise da organização do processo de trabalho em sua componente tecnológica e em sua componente social, como forma de gestão da força de trabalho, possibilita a identificação das categorias presentes na relação de trabalho. Assim, ela é importante para desvendar aspectos formadores da identidade organizacional, além de fornecer o referencial para se decifrar a dimensão político-construtiva do elemento simbólico. Ou seja, para se questionar como elementos simbólicos ocultam ou instrumentalizam relações de poder é preciso rebater a análise para o plano concreto das relações entre os agentes no processo de trabalho;
As Técnicas de Investigação: derivam das propostas teórico-metodológicas desenvolvidas pelos autores. Na ênfase quantitativa utiliza-se levantamento de opinião, através de questionários, escalas, entrevistas, etc. Na ênfase qualitativa utilizam-se dados secundários da própria organização (documentos, relatórios manuais de pessoal, organogramas, jornais, etc.). As técnicas mais utilizadas para coleta de dados primários são entrevistas, observação participante e não participante e dinâmicas de grupo, com uso de jogos e simulações.
Cultura usualmente é tida como o padrão de desenvolvimento refletido nos sistemas sociais de conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais cotidianos. Também é vista como o grau de refinamento e evidente em tais sistemas de crenças e práticas.
A antropologia serve de base para o estudo da cultura organizacional. Requer uma ruptura radical com a crença de que existe um centro do mundo e de que algumas culturas são mais avançadas ou evoluídas que outras. O antropólogo social ou organizacional deve ter elevado grau de relativismo cultural, de modo a neutralizar eventuais distorções provocadas por seu contexto cultural de origem. A experiência da alteridade leva a se perceber a própria cultura, através do reconhecimento de que ela nada tem de natural e sim é essencialmente formada de construções sociais, e a cultura do outro.
A cultura pode ser entendida como um sistema simbólico, tal como a arte, o mito, a linguagem, em sua qualidade de instrumento de comunicação entre as pessoas e os grupos sociais, que permite a elaboração de um conhecimento consensual sobre o significado do mundo; e também como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente.
Na perspectiva da Antropologia, a dimensão simbólica é concebida como capaz de integrar todos os aspectos da prática social. Segundo Durhan (Fleury, 1987), os antropólogos tenderam sempre a conceber os padrões culturais não como um molde que produziria condutas estritamente idênticas, mas antes como as regras de um jogo, isto é, uma estrutura que permite atribuir significado a certas ações e em função da qual se jogam infinitas partidas. Não existe também a preocupação em estabelecer relações entre as representações e o poder.
Entre os sociólogos uma corrente importante para a análise da cultura é o interacionismo simbólico (Fleury, 1987), no qual toda atividade está sujeita ao hábito. Qualquer ação freqüentemente repetida torna-se um padrão que pode ser reproduzido, com economia de esforço e tempo. Os fenômenos estão pré-arranjados em padrões que parecem ser independentes da apreensão que cada pessoa faz deles individualmente. A realidade se impõe como objetivada, isto é, constituída por uma série de objetivos que foram designados como objetos antes da "minha" aparição (como indivíduo) em cena. Existe o compartilhar de um senso comum sobre a realidade, produzindo signos (sinais que têm significação). Nas organizações, observa-se como certos símbolos são criados e os procedimentos implícitos e explícitos para legitimá-los.
Discutem-se também os processos de socialização vivenciados pelo indivíduo, quais sejam:
Socialização Primária: onde o indivíduo se toma membro de uma sociedade. O cunho da realidade do conhecimento é internalizado quase que automaticamente pelo indivíduo, através, principalmente, da linguagem;
Socialização Secundária: introduz um indivíduo já socializado a novos setores do mundo objetivo. A identificação acontece somente na medida necessária para a comunicação entre seres humanos. Sua extensão e seu caráter são determinados pela complexidade da divisão do trabalho e pela distribuição social do conhecimento de uma dada sociedade.
Smirchich (Fleury, 1987) propõe duas linhas de pesquisa:
A cultura como uma variável, como alguma coisa que a organização tem: ligada ao modelo sistêmico de organização, tem um objetivo normativo – realizar diagnósticos com análises comparativas que subsidiem a elaboração de estratégias de ação das empresas. Por sua vez esta linha de pesquisa considera dois tipos de variáveis:
como variável independente, externa à organização (a cultura da sociedade em que se insere a organização e que é trazida para dentro por seus membros);
como variável interna à organização (as organizações produzem bens, serviços e produtos culturais como lendas, ritos, símbolos); é resultado do desempenho e de representações dos indivíduos nas organizações;
A cultura como raiz da própria organização, algo que a organização é: esta segunda abordagem procura ir além da visão instrumental da organização para pensá-la como um fenômeno social derivado do conceito antropológico de cultura.Dentro dessa abordagem, a autora coloca três correntes antropológicas que embasariam as pesquisas sobre cultura organizacional:
Cognitivista: cultura é definida como um sistema de conhecimento e crenças compartilhados. É importante determinar quais as regras existentes em uma determinada cultura e como seus membros vêem o mundo;
Estruturalista: a cultura se constitui de signos e símbolos. É convencional, arbitrária e estruturada. É constitutiva da ação social sendo, portanto, indissociável desta;
Simbólica: define cultura como um sistema de símbolos e significados compartilhados que necessita ser decifrado e interpretado. As pessoas procuram decifrar a organização em termos de pautar e adequar o seu próprio comportamento.
Nesta última corrente, Van Maanem (Fleury, 1991) identifica vários tipos de estratégias de socialização, que podem ser combinados em função de se adequar o mais eficientemente possível o indivíduo aos objetivos e natureza daquela organização (tem a ver com a socialização secundária de Berger).
Para Schein, também desta última corrente, cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa ou integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas. Ainda, a cultura de uma organização pode ser apreendida em vários níveis (Fleury, 1991):
Nível dos artefatos visíveis: fáceis de obter, mas difíceis de interpretar. É o ambiente construído da organização, arquitetura, layout, a maneira de as pessoas se vestirem, padrões de comportamento visíveis, documentos públicos;
Nível dos valores que governam o comportamento das pessoas: valores manifestos na cultura, ou seja, expressam o que as pessoas reportam ser a razão do seu comportamento, o que na maioria das vezes são idealizações ou racionalizações;
Nível dos pressupostos inconscientes: são aqueles pressupostos que determinam como os membros de um grupo percebem, pensam e sentem. À medida que um pressuposto vai se tornando cada vez mais taken for granted, vai passando para o nível do inconsciente.
O mesmo autor diz que se a organização como um todo vivenciou experiências comuns pode existir uma forte cultura organizacional que prevaleça sobre várias subculturas das unidades (cultura dos gerentes, do sindicato, etc.). Schein coloca como de maior importância o papel dos fundadores da organização no processo e moldar seus padrões culturais, que imprimem sua visão de mundo aos demais e também sua visão do papel que a organização deve desempenhar no mundo.
Shein propõe ainda categorias para se investigar o universo cultural de uma organização:
Analisar o teor e o processo de socialização dos novos membros;
Analisar as respostas a incidentes críticos da história da organização;
Analisar as crenças, valores e convicções dos criadores ou portadores da cultura;
Explorar e analisar junto a pessoas de dentro da organização as observações surpreendentes descobertas durante as entrevistas.
Esta linha de estudos assume os sistemas culturais apenas em sua capacidade de comunicação e de expressão de uma visão consensual sobre a própria organização. Entretanto, a dimensão do poder está ausente destes estudos. Para ir além da proposta clássica, que define cultura como representações simbólicas que expressam formas comuns de apreender o mundo, é necessário "politizar" o conceito de cultura, investigando como o universo simbólico expressa relações de poder, oculta-as e instrumentaliza o pólo dominante da relação.
(3) O Rei de Guelras Enormes: O Poder nas Organizações
O Rei representa na lenda o poder. Percebe-se na figura do rei um líder de comportamento autoritário, sem a devida responsabilidade para com seus seguidores (comunidade de peixes). Nas organizações, essa faculdade de um homem determinar o comportamento de outro homem pode se dar através da manipulação, da persuasão, da ameaça de punição e até pela promessa de benefícios e vantagens.
Nesta perspectiva, Max Pagès, estudando o fenômeno do poder e suas articulações na vida de uma organização, trabalha de forma analítica (e não-antropológica) o fenômeno do poder sob diferentes matizes, aliando o referencial marxista à psicanálise freudiana (postura "sistêmico-dialética"):
Como fenômeno de alienação econômica (perspectiva marxista);
Como fenômeno político de imposição e controle sobre as decisões e organização do trabalho;
No nível ideológico, como um fenômeno de apropriação de significados e valores;
No nível psicológico, como um fenômeno de alienação psicológica.
Fleury (1987) coloca a introdução do conceito de mediação como um processo que transforma a contradição básica entre capital e trabalho em uma contradição interna às políticas da organização. A organização hipermoderna tem esta característica, identificada em quatro categorias:
Mediações de ordem econômica (salários, carreira, etc.);
Mediações de ordem política (sistema decisório);
Mediações de ordem ideológica (quer tornar-se um lugar de produção de significado e valor);
Mediações de ordem psicológica (de vantagens / restrições para prazer / agonia, mecanismo de reforço circular, que assegura a manutenção do sistema psicológico em consonância com a estrutura da organização e os reproduz).
O conceito de ideologia desenvolvido pelos autores aproxima-se do conceito de cultura organizacional. Para o autor a ideologia não reside apenas no discurso dos dirigentes, mas é elaborada pelo conjunto dos empregados. A função essencial da ideologia não é apenas mascarar as relações sociais de produção, mas reforçar a dominação e conseguir a exploração dos trabalhadores. Utiliza a metáfora da "religião", que na empresa é colocada em prática nos dispositivos da política de pessoal. Em sua pesquisa, analisa os dogmas, mandamentos da empresa, ritos (confissão: entrevista de avaliação; missa: reuniões; batismo: programa de treinamento, etc.).
Fleury (1989) define cultura a partir da concepção de Shein, mas incorpora a dimensão política inerente a este fenômeno. Assim, cultura organizacional é concebida como:
"...um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação" (Fleury, 1989:22).
Há, ainda, o mito da "grande família" , que revela as duas faces presentes nas relações de trabalho: a face visível da solidariedade, de cooperação, e a face oculta da dominação e submissão.
(4) O Peixinho Vermelho: O Agente de Mudanças
Na lenda, o peixinho vermelho representa o agente promotor de mudança. É considerado um líder democrático, cooperativo, aberto à mudança e sobretudo humano. Buscava conhecimento através do estudo e também conhecia bem a realidade em que vivia, ou seja, os problemas, a estrutura, as bases do grande lago.
Nas organizações, esse agente de mudanças é conhecido como empreendedor. Estes, por sua vez, são elementos dispostos a inovar e criar produtos, estratégias e situações que promovem o desenvolvimento organizacional.
Até meados da década de 70, falar em mudança organizacional era predominantemente falar em projeto ou desenho organizacional. A idéia de mudança estava centrada no conceito de alteração de organogramas, na criação, modificação ou extinção de cargos e funções. É somente nos anos 80 que esta abordagem vai ganhar forma. Grande parte do interesse pelo tema deve-se ao fato de que, após operar todo tipo de mudança em suas empresas, muitos administradores perceberam que ainda era necessários mudar os valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados surgissem.
Para Herzog (citado por Wood, 1992), mudança no contexto organizacional engloba alterações fundamentais no comportamento humano nos padrões de trabalho e nos valores em resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia. Ele considera também que a chave para enfrentar com sucesso o processo de mudança é o gerenciamento das pessoas, mantendo o alto nível de motivação e evitando desapontamentos. Para ele, grande desafio não é a mudança tecnológica, mas mudar as pessoas e a cultura organizacional, renovando os valores para ganhar vantagem competitiva.
Deal e Kennedy (citados por Wood 1992), acreditam que a mudança é necessária quando ocorrem perturbações ambientais e mudar torna-se uma questão de sobrevivência. Delisi, Linder e Koch e Steinhauser (Wood, 1992) exploram a relação entre tecnologia de informação e mudança cultural e o potencial de impacto que a variável tecnológica tem sobre as organizações.
Para Morgan (1996), o processo de mudança tradicionalmente tem sido dado como um problema de mudança das tecnologias, estruturas, habilidades e motivações dos empregados. Embora seja correto, a mudança efetiva depende das mudanças de imagens que deve guiar as ações.
O'Toole (Wood, 1992) considera que os fatores-chave em uma mudança cultural são:
que a mudança seja construída sobre as forças e os valores da organização;
que haja participação em todos os níveis;
que a mudança se dê de forma holística, relacionando-se com a estrutura, estratégica, sistemas de recompensa, sistemas de controle;
que a alta gerência lhe dê todo apoio e que se torne um processo contínuo;
que seja planejada no longo prazo e executada em etapas.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) a cultura é pensada como um conjunto complexo de valores, crenças e pressupostos que definem os modos pelos quais uma empresa conduz seus negócios. Esse núcleo de crenças e pressupostos são manifestos nas estruturas, sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensas dentro da organização. Seria muito mais fácil ajustar as manifestações de cultura do que modificar o núcleo de crenças e pressupostos básicos de uma organização. No entanto, qualquer estratégia para modificar a cultura organizacional terá de envolver pensamentos e ação tanto no nível das crenças básicas como no de suas manifestações.
O ponto de partida para esta análise da mudança estratégica é a noção de que a formulação do conteúdo de qualquer nova estratégia supõe controlar ambiente social, econômico, político e competitivo. O contexto interno é a própria cultura organizacional, através da qual as idéias de mudança devem fluir. O processo de mudança refere-se às ações, reações e interações das várias partes interessadas.
Segundo Morgam (1996), aprende-se a encarar sistemas vivos como entidades distintas caracterizadas por inúmeros padrões de interdependência, tanto internos, como em relação aos seus ambientes. Caso nos coloquemos "dentro" desses sistemas percebemos que estamos dentro de um sistema fechado de interação e que o ambiente é parte da organização do sistema.
O padrão do sistema deve ser entendido como um todo. Por isso não faz sentido dizer que um sistema interage com seu ambiente, são transações dentro de si mesma. Se as relações com o ambiente são internamente determinadas, então os sistemas só podem evoluir e mudar através de mudanças autogeradas na identidade. Quando uma organização deseja entender o seu ambiente, deve então entender-se a si mesma, uma vez que a compreensão do ambiente é sempre uma projeção de si própria. Muitas organizações encontram sérios problemas em lidar com o mundo exterior por não reconhecerem que são uma parte dos seus respectivos ambientes.
(5) O Oceano: o Universo de Inserção das Organizações
O oceano significa o universo de inserção das organizações que sobreviverão e se adaptarão aos impactos das transformações exigidas pela dinâmica do mundo globalizado da Era da Informação. De acordo com Toledo (1997), a mutabilidade é o cenário em que as pessoas e organizações vão encontrar neste fim de milênio e no começo do próximo. Diante disso, coloca-se a necessidade das empresas se adequarem aos novos paradigmas para que permaneçam no mercado. Muitas organizações se vêem como centros, olhando apenas para o seu próprio umbigo, fechadas ao ambiente, em si mesmas, às mudanças. Não querem se comprometer, pois tal ação exige risco.
Um novo modelo de gestão deve, então, ser criado neste cenário de competitividade crescente, tanto no nível das relações externas quanto internas. À medida que os cenários mudam os seres humanos são instados a mudar, a oferecer soluções criativas e a mobilizar novos recursos. E a transformação desse fluxo de mudanças se encontra na sinergia, parceria e na globalização que são formas de união.
(6) A Grade de Escoadouro: Os Obstáculos para a Mudança
Na lenda o escoadouro representa o caminho para a mudança, a ponte. Toda mudança implica algum sacrifício e é sempre cercada por incertezas. É esta passagem estreitíssima que levaria a outro mundo (oceano, rios, riachos, plantas). Mas, para se chegar do outro lado, através desse escoadouro, era preciso que os peixes emagrecessem, renunciassem a muitos hábitos, atitudes, crenças, valores. Desse modo, não atravessar esse escoadouro significa negar a necessidade de mudanças e dizer não às novas oportunidades, enfim, significa uma resistência à mudança.
As organizações por estarem inseridas num contexto de mudanças constantes precisam se adaptar às novas realidades com as quais se defrontam. Por exemplo, tais realidades poderiam ser a necessidade de uma nova política de recursos humanos, ou uma nova forma de gestão e planejamento; ou ainda, mudanças nas estruturas, sistemas e processos ou urgência de informatização; ou até mudanças políticas e novas tecnologias. A despeito de tais pressões, muitas organizações não procedem as atitudes necessárias para instaurarem o processo que as levaria a modificar o seu status quo. Talvez o maior foco de resistência seja o fato de que a questão não é somente mudar, e sim gerenciar a mudança, o que implica na tarefa extremamente difícil de gerenciar a própria cultura da organização.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) as dificuldades de se gerenciar a cultura de uma organização são devidas aos seguintes problemas:
Problema dos níveis: a cultura existe em uma variedade de níveis diferentes na empresa. Refere-se às crenças e pressupostos das pessoas dentro da organização. É muito mais difícil modificar manifestações de cultura;
Problema da infiltração: a cultura refere-se também aos produtos da empresa, às estruturas, aos sistemas, à missão da empresa, recompensas, socialização;
Problema do implícito: é difícil modificar coisas que são implícitas no pensamento e no comportamento das pessoas;
Problema do impresso: a história tem grande peso na administração presente e futura na maioria das organizações;
Problema do político: refere-se às conexões entre a cultura organizacional e a distribuição do poder na empresa. Esses grupos de poder não estão dispostos a abandonar tais crenças;
Problema da pluralidade: a maioria das empresas não possui uma única cultura organizacional, podendo apresentar uma série de subculturas;
Problema da interdependência: a cultura está interconectada não apenas com a política da empresa, mas com a estrutura, os sistemas, as pessoas e as prioridades da empresa.
Para criar e manter a cultura, a rede de concepções, normas e valores devem ser afirmados e comunicados aos membros da organização de uma forma tangível (Fleury, 1991), que são as formas culturais, ou seja, os ritos, rituais, mitos, histórias, gestos e artefatos.
O rito se configura como uma categoria analítica privilegiada para desvendar a cultura das organizações. Ao desempenhar um rito, as pessoas se expressam através de diversos símbolos: certos gestos, linguagem, comportamentos ritualizados, artefatos para salientar uma visão consensual apropriada à ocasião. Comparando os relatos antropológicos dos ritos das sociedades tribais com os da vida das organizações modernas, Beyer e Trice (Fleury, 1991) identificaram seis tipos de ritos:
Ritos de passagem: o processo e introdução e treinamento básico no Exército americano;
Ritos de degradação: o processo de despedir e substituir um alto executivo;
Ritos de confirmação: seminários para reforçar a identidade social e seu poder de coesão;
Ritos de reprodução: atividades de desenvolvimento organizacional;
Ritos para redução de conflito: processos de negociação coletiva;
Ritos de integração: festas de natal nas organizações.
Para os autores, os ritos organizacionais são facilmente identificáveis, porém dificilmente interpretáveis. Pode-se, então, identificar duas posturas teóricas básicas ao se trabalhar o conceito de cultura, que não são excludentes:
aqueles que consideram a cultura como a interação/comunicação entre as pessoas e grupos e elaboração de um conhecimento consensual sobre significado do mundo (arte, mito, linguagem => sistema simbólico);
aqueles que consideram a cultura como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente (ideologia).
(7) A Baleia : O Perigo da Precipitação
Na nossa história o encontro com a baleia representa exatamente o extremo da organização que resiste às mudanças: é aquela que se deixa levar inconseqüentemente por qualquer "onda" que lhe acene com a promessa de solução de seus problemas, aceitando o modismo da mudança sem uma avaliação adequada de suas reais necessidades e um planejamento sério para levar a termo tais tentativas de transformação.
Podemos incluir aqui as chamadas "maquiagens", muda-se a forma mas o conteúdo permanece o mesmo. Ou então são os "desvios" da mudança, em que a empresa, por ignorância, falta de orientação ou por má interpretação dos fatos não procedeu de forma a viabilizar aquilo que pretendia e acaba faceando situações danosas para as quais não tem defesa, e que podem inclusive vir a causar-lhe a extinção. A baleia também pode representar o reconhecimento do erro, quando os desvios mencionados são detectados em sua fase inicial e ainda são passíveis de serem corrigidos.
(8) A Seca: O Destino das Organizações Estanques
A Seca representa o futuro para aquelas organizações que não aceitarem os novos paradigmas. Aquelas que não acompanharem o influxo dos requisitos para a sobrevivência no mercado globalizado estão destinadas a desaparecer. As mudanças globais na economia delineiam um novo cenário que traz, para as empresas, drásticas mudanças nas relações de troca: exigência dos consumidores e necessidades de qualidade de vida do trabalho. Por isso, é necessário que as mudanças se façam nos processos sociais internos, para que se modifiquem também as pessoas a fim de que este modelo de gestão funcione.
Diante disso, torna-se necessário superar as barreiras dos antigos comportamentos. Em primeiro lugar, através da quebra dos paradigmas construídos sobre a realidade passada, para que um novo paradigma possa fazer emergir uma nova realidade sobre ele construída. As organizações devem se preparar para os possíveis desafios, através de um processo contínuo de aprendizagem, mobilização de recursos adicionais para atenderem às novas demandas e adaptação ao novo ambiente; caso contrário, as organizações estão fadadas à morte (falência).
(9) O Palácio de Coral: O Futuro das Organizações
Em nossa história o palácio de coral representa o novo estado possível da organização, ou, dito de outra forma, como serão as arquiteturas organizacionais para o século 21. Desde meados dos anos 80 têm aumentado as pressões sobre as empresas que desejam continuar no mercado com êxito. As transformações por que passa a nossa época são bastante diferenciadas daquelas trazidas no bojo da Revolução Industrial que motivou a reorganização das relações mundiais de produção e trabalho. Várias foram as forças que delinearam este novo cenário organizacional, dentre as quais pode-se citar a tecnologia, a competição, o excesso de oferta, a globalização, as expectativas do cliente, a participação governamental, as relações de propriedade e a dinâmica das forças de trabalho.
Neste contexto, é fácil perceber que as organizações para sobreviverem devem enfrentar todos estes desafios, o que pressupõe uma capacidade de prever mudanças e administrá-las, privilegiando a adaptabilidade, a flexibilidade, a sensibilidade, a decisão e a rapidez; daí a crucial importância do desenvolvimento antecipado de estratégias, ou, dito de outra forma, o que faz a diferença fundamental entre as empresas no mundo moderno é a qualidade do seu planejamento estratégico.
Assim, podemos inferir que no futuro as organizações provavelmente terão, entre outras, as seguintes características: organizações em redes de fornecedores, concorrentes e clientes cooperando para sobreviver, limites organizacionais imprecisos (várias lealdades); sistemas de trabalho de alto desempenho (processos e qualidade total); equipes serão a norma; subunidades serão autônomas; normas e valores dão coesão para direção e coordenação ativas; formas organizacionais fluidas e transitórias; ênfase do aprendizado em nível de sistema; desenvolvimento da visão estratégica e visão específica; e menor ênfase no desempenho financeiro de curto prazo.
CONCLUSÃO
De acordo com Tavares (1991), as características próprias de cada organização nascem das estratégias adotadas por seus dirigentes a fim de manter a empresa. As pessoas têm que estar de acordo com estas características, e estes pressupostos vão se internalizando, formando uma posição a respeito de "como as coisas são".
A partir de exigências para mudanças no ajustamento externo estas podem impulsionar desdobramentos internos de alteração nos sistemas de integração e coordenação. As culturas mudam pelos mesmos processos pelos quais se formam, transformam sua interpretação em ação visível, através do exemplo vivido e inteligível para o grupo como um todo, permitindo uma orientação no agir e interagir do cotidiano da empresa.
O grande dilema que parece estar no bojo de toda esta transformação é a questão do gerenciamento das contradições entre cultura e mudança organizacional. Enquanto a primeira enseja uma sedimentação lenta, mais definida pela passagem do tempo, a segunda pede a adaptabilidade instantânea para responder aos desafios que este mesmo tempo lhe impõe. Faz-se mister, portanto, aprender a mudar, o que significa aprender e apreender o que ode e deve ser feito com os instrumentos e técnicas disponíveis do planejamento e do controle do processo, pois, embora não possamos realmente prever o futuro, parece claro que este mesmo futuro não será alcançado a menos que tentemos ir até ele.
Alguns quesitos terão maior relevância sobre outros ao longo deste caminho que estamos percorrendo no sentido de aprenderemos a mudar. Apenas para exemplificar o gênero de desafios que nos espera podemos citar:
a administração de contratos de parceira (parceiros não são empregados);
o equilíbrio de tendências opostas;
a administração de grupos e suas implicações (já que o trabalho em equipe vai prevalecer, como ficam questões como compensação, avaliação, feedback e procedimentos disciplinares?);
alta tecnologia versus liberdades civis (como normatizar o sigilo da informação? Será a perda de liberdade maior que o ganho em produtividade?);
possível lentidão de algumas mudanças (a capacidade de adaptação ditará o ritmo).
Um outro aspecto que merece atenção é o caráter episódico que parece estar erroneamente associado ao processo de mudança. Mudar é um processo contínuo, que deve ser incorporado ao modus operandi da empresa de forma a permitir a sua inserção na dinâmica das transformações que caracterizam o atual estágio de transformações aceleradas do mundo moderno. Mudar é estar em sintonia com este processo social por que passa a humanidade, filtrando o melhor e aprendendo com o erro.
BIBLIOGRAFIA
FLEURY, Maria Tereza Leme, FISCHER, Rosa Maria. Cultura e poder nas organizações. Rio de Janeiro: Atlas, 1991.
FLEURY, Maria Tereza Leme. Estória, mitos, heróis: cultura organizacional e relações de trabalho. Revista de Administração de Empresa. São Paulo, out./dez. 1987.
FREITAS, Maria Ester de. Cultura organizacional: grandes temas em debate. Revista de Administração de Empresa. São Paulo, jul./set. 1991.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas.
HANDY, Charles. Deuses da administração: como enfrentar as constantes mudanças da cultura organizacional. São Paulo: Vértice, 1987.
MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.
TAVARES, Maria das Graças de Pinho. Cultura organizacional: uma abordagem antropológica da mudança. São Paulo: Qualitymark, 1991.
WOOD JR., Thomaz. Mudança organizacional: uma abordagem preliminar. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 74, jul./ago. 1992.
Originalmente publicado no Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n. 8,p. 69-80, primeiro trimestre 1999.
Carmen Diva B. Monteiro, Elvira Cruvinel Ventura e Patrícia Nassif da Cruz
INTRODUÇÃO
Muitas metáforas podem ser usadas na tentativa de explicar o funcionamento das organizações. Morgan (1996) descrever algumas, a saber:
Organizações como máquinas: desenvolvimento da organização burocrática; máquinas feitas de partes que se interligam, cada uma desempenhando um papel claramente definido no funcionamento do todo;
Organizações como organismos: compreender e administrar as "necessidades" organizacionais e as relações com o ambiente, diferentes tipos de organizações como pertencendo a diferentes espécies;
Organizações como cérebros: importância do processamento de informações, aprendizagem e inteligência; cérebro como um computador, cérebro como um holograma;
Organizações como culturas: realidades socialmente construídas sustentadas por um conjunto de idéias, valores, normas, rituais e crenças;
Organizações como sistemas políticos: sistemas de governo baseados em vários princípios políticos que legitimam diferentes tipos de regras assim como os fatores específicos que delineiam a política da vida organizacional;
Organizações como prisões psíquicas: as pessoas caem nas armadilhas dos seus próprios pensamentos, idéias e crenças ou preocupações que se originam na dimensão inconsciente da mente;
Organizações como fluxo e transformação: compreensão da lógica de mudança que dá forma à vida social (sistemas autoprodutores, causalidade mútua, lógica dialética);
Organizações como instrumentos de dominação: aspectos potencialmente exploradores das organizações; sua essência repousa sobre um processo de dominação em que certas pessoas impõem seus desejos sobre as outras.
O presente trabalho propõe-se a abordar as organizações vistas como culturas e as organizações vistas como fluxo e transformação, ou seja, pretende enfocar as relações entre cultura e mudança organizacional. Para tanto, apresentaremos o texto "Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho", de autoria anônima. Por meio deste conto abordaremos o conceito de cultura e as formas culturais existentes nas organizações. Através da lenda enfatizaremos também o papel do agente de mudanças, delineando algumas visões sobre a mudança organizacional e os fatores-chave que nela intervêm.
A HISTÓRIA
A seguir, apresentamos o texto, pedindo a atenção do leitor para as partes por nós grifadas para posterior análise.
Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho
No centro de formoso jardim, havia um grande lago (1), adornado de ladrilhos azul-turquesa.
Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita.
Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes (2) a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de Rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguiça. Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho (4) menosprezado de todos.
Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.
Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.
O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome.
Não encontrando pouso no vastíssimo domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse.
Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniriam maior massa de lama por ocasião de aguaceiros.
Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro (6).
À frente da imprevista oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo:
– "Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?"
Optou pela mudança.
Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima.
Pronunciando votos renovadores, avançou, otimista pelo rego d'água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu embriagado de esperança...
Em breve, alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos.
Encontrou peixes de muitas famílias diferentes que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhes mais fácil roteiro.
Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo.
Habituado com pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e agilidade naturais.
Conseguiu, desse modo, atingir o oceano (5), ébrio de novidade e sedento de estudo.
De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia (7) para quem toda água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária.
Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos peixes, rogando proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas.
O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações.
Plenamente transformado sem suas concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.
Vivia, agora, sorridente e calmo, no palácio de coral (9) que elegera, com centenas de amigos, para residência ditosa, quando, aos se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.
O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles.
Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los, prestando-lhes o tempo valiosas informações?
Não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no palácio de coral, compreendeu comprida viagem de volta.
Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.
Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros. Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supões que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia.
Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de lótus, de onde saíam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis.
Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porquanto ninguém, ali havia dado pela ausência dele. Ridicularizado, procurou, então, o Rei de guelras enormes (3) e comunicou-lhe a reveladora aventura.
O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro mundo líquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma insignificância que podia desaparecer de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao palácio do coral, onde viveriam todos, prósperos e tranqüilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à aventurosa jornada.
Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção. Ninguém acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquela história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.
O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até à grade de escoamento e, tentando de longe, a travessia, exclamou, borbulhante:
– "Não vês que não cabe aqui nem uma só das minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! Não nos perturbe o bem-estar...Nosso lago é o centro do universo...Ninguém possui vida igual à nossa!..."
Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no palácio de coral, aguardando o tempo.
Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca (8).
As águas desceram de nível. E o poço onde vivam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a aparecer, atolada na lama...
Apresentada a história, faremos associações entre alguns elementos do texto e aqueles elementos que encontramos na cultura de uma organização, notadamente a dificuldade em gerir a mudança e o papel fundamental do agente de mudança (embora, nesta história, ele não tenha conseguido "salvar" a sua comunidade "organizacional").
PARALELO: HISTÓRIA COM CULTURA E MUDANÇA ORGANIZACIONAL
Destacamos alguns personagens e símbolos que julgamos importantes para o alcance do objetivo de nosso artigo, qual seja, fazer um paralelo entre a história com a cultura e transformações de uma empresa.
(1) Um grande lago e (2) uma Comunidade de Peixes: A Organização e sua Cultura
O grande lago e a comunidade de peixes representam na nossa realidade a organização e a sua cultura. Não nos esqueçamos de que o lago é apenas o locus organizacional, posto que a comunidade (indivíduos e sua cultura) é que verdadeiramente "cria" a organização. A cultura organizacional, por sua vez, é formada por políticas internas e externas, sistemas, crenças, valores e clima organizacional.
O interesse sobre cultura organizacional recrudesceu nos anos 70, devido ao fenômeno japonês. O Japão surgiu como líder do poder industrial, apesar de não ter recursos naturais, não ter energia e ser um país superpovoado (mais de 110 milhões de habitantes). Entretanto, nenhum desses fatores impediu que houvesse um alto nível de crescimento, um baixo nível de desemprego e a mis bem-remunerada e saudável população trabalhadora do mundo. Assim, entender a cultura desse povo tornou-se importante para compreender a sua ascensão na economia mundial.
Segundo Fleury (1991), há vários caminhos para se desvendar a cultura de uma organização. Dentre eles destacam-se:
O Histórico das Organizações: o momento de criação de uma organização e sua inserção no contexto político e econômico da época propiciam o pano de fundo necessário para compreensão da natureza da organização, suas metas, seus objetivos. O fundador neste contexto tem um papel fundamental, pois ele detém a concepção global sobre o projeto da organização e tem o poder para estruturá-la, desenvolvê-la e tecer elementos simbólicos consistentes com esta visão.
Os incidentes críticos por que passou a organização, tais como crises, expansões, pontos de inflexão, de fracassos ou sucessos também são formadores de sua história. Nestes momentos, o tecido simbólico se revela mais facilmente ao pesquisador, pois certos valores importantes de serem preservados ou, pelo contrário, questionados, emergem com maior nitidez;
O Processo de Socialização de Novos Membros: o momento de socialização é crucial para a reprodução do universo simbólico. É através das estratégias de integração do indivíduo à organização que os valores e comportamento vão sendo transmitidos e incorporados pelos novos membros. As estratégias mais usuais são os programas de treinamento e integração de novos funcionários. Os rituais de socialização desempenham ao mesmo tempo o papel de inclusão do indivíduo ao grupo e delimitação do processo de exclusão dos demais;
As Políticas de Recursos Humanos: as políticas de recursos humanos têm papel relevante no processo de construção de identidade da organização por serem as mediadoras da relação entre capital e trabalho. Analisando as políticas explícitas e principalmente as políticas implícitas de recursos humanos de uma organização é possível decifrar e interpretar os padrões culturais desta organização;
O Processo de Comunicação: a comunicação é um dos elementos essenciais no processo de criação, transmissão e cristalização do universo simbólico de uma organização. É preciso identificar os meios formais orais (contactos diretos, reuniões, telefonemas) e escritos (jornais, circulares, "memos") e os meios informais, como por exemplo a "rádio-peão". O mapeamento dos meios permite o desvendar das relações entre categorias, grupos e áreas da organização;
A Organização do Processo de Trabalho: a análise da organização do processo de trabalho em sua componente tecnológica e em sua componente social, como forma de gestão da força de trabalho, possibilita a identificação das categorias presentes na relação de trabalho. Assim, ela é importante para desvendar aspectos formadores da identidade organizacional, além de fornecer o referencial para se decifrar a dimensão político-construtiva do elemento simbólico. Ou seja, para se questionar como elementos simbólicos ocultam ou instrumentalizam relações de poder é preciso rebater a análise para o plano concreto das relações entre os agentes no processo de trabalho;
As Técnicas de Investigação: derivam das propostas teórico-metodológicas desenvolvidas pelos autores. Na ênfase quantitativa utiliza-se levantamento de opinião, através de questionários, escalas, entrevistas, etc. Na ênfase qualitativa utilizam-se dados secundários da própria organização (documentos, relatórios manuais de pessoal, organogramas, jornais, etc.). As técnicas mais utilizadas para coleta de dados primários são entrevistas, observação participante e não participante e dinâmicas de grupo, com uso de jogos e simulações.
Cultura usualmente é tida como o padrão de desenvolvimento refletido nos sistemas sociais de conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais cotidianos. Também é vista como o grau de refinamento e evidente em tais sistemas de crenças e práticas.
A antropologia serve de base para o estudo da cultura organizacional. Requer uma ruptura radical com a crença de que existe um centro do mundo e de que algumas culturas são mais avançadas ou evoluídas que outras. O antropólogo social ou organizacional deve ter elevado grau de relativismo cultural, de modo a neutralizar eventuais distorções provocadas por seu contexto cultural de origem. A experiência da alteridade leva a se perceber a própria cultura, através do reconhecimento de que ela nada tem de natural e sim é essencialmente formada de construções sociais, e a cultura do outro.
A cultura pode ser entendida como um sistema simbólico, tal como a arte, o mito, a linguagem, em sua qualidade de instrumento de comunicação entre as pessoas e os grupos sociais, que permite a elaboração de um conhecimento consensual sobre o significado do mundo; e também como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente.
Na perspectiva da Antropologia, a dimensão simbólica é concebida como capaz de integrar todos os aspectos da prática social. Segundo Durhan (Fleury, 1987), os antropólogos tenderam sempre a conceber os padrões culturais não como um molde que produziria condutas estritamente idênticas, mas antes como as regras de um jogo, isto é, uma estrutura que permite atribuir significado a certas ações e em função da qual se jogam infinitas partidas. Não existe também a preocupação em estabelecer relações entre as representações e o poder.
Entre os sociólogos uma corrente importante para a análise da cultura é o interacionismo simbólico (Fleury, 1987), no qual toda atividade está sujeita ao hábito. Qualquer ação freqüentemente repetida torna-se um padrão que pode ser reproduzido, com economia de esforço e tempo. Os fenômenos estão pré-arranjados em padrões que parecem ser independentes da apreensão que cada pessoa faz deles individualmente. A realidade se impõe como objetivada, isto é, constituída por uma série de objetivos que foram designados como objetos antes da "minha" aparição (como indivíduo) em cena. Existe o compartilhar de um senso comum sobre a realidade, produzindo signos (sinais que têm significação). Nas organizações, observa-se como certos símbolos são criados e os procedimentos implícitos e explícitos para legitimá-los.
Discutem-se também os processos de socialização vivenciados pelo indivíduo, quais sejam:
Socialização Primária: onde o indivíduo se toma membro de uma sociedade. O cunho da realidade do conhecimento é internalizado quase que automaticamente pelo indivíduo, através, principalmente, da linguagem;
Socialização Secundária: introduz um indivíduo já socializado a novos setores do mundo objetivo. A identificação acontece somente na medida necessária para a comunicação entre seres humanos. Sua extensão e seu caráter são determinados pela complexidade da divisão do trabalho e pela distribuição social do conhecimento de uma dada sociedade.
Smirchich (Fleury, 1987) propõe duas linhas de pesquisa:
A cultura como uma variável, como alguma coisa que a organização tem: ligada ao modelo sistêmico de organização, tem um objetivo normativo – realizar diagnósticos com análises comparativas que subsidiem a elaboração de estratégias de ação das empresas. Por sua vez esta linha de pesquisa considera dois tipos de variáveis:
como variável independente, externa à organização (a cultura da sociedade em que se insere a organização e que é trazida para dentro por seus membros);
como variável interna à organização (as organizações produzem bens, serviços e produtos culturais como lendas, ritos, símbolos); é resultado do desempenho e de representações dos indivíduos nas organizações;
A cultura como raiz da própria organização, algo que a organização é: esta segunda abordagem procura ir além da visão instrumental da organização para pensá-la como um fenômeno social derivado do conceito antropológico de cultura.Dentro dessa abordagem, a autora coloca três correntes antropológicas que embasariam as pesquisas sobre cultura organizacional:
Cognitivista: cultura é definida como um sistema de conhecimento e crenças compartilhados. É importante determinar quais as regras existentes em uma determinada cultura e como seus membros vêem o mundo;
Estruturalista: a cultura se constitui de signos e símbolos. É convencional, arbitrária e estruturada. É constitutiva da ação social sendo, portanto, indissociável desta;
Simbólica: define cultura como um sistema de símbolos e significados compartilhados que necessita ser decifrado e interpretado. As pessoas procuram decifrar a organização em termos de pautar e adequar o seu próprio comportamento.
Nesta última corrente, Van Maanem (Fleury, 1991) identifica vários tipos de estratégias de socialização, que podem ser combinados em função de se adequar o mais eficientemente possível o indivíduo aos objetivos e natureza daquela organização (tem a ver com a socialização secundária de Berger).
Para Schein, também desta última corrente, cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa ou integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas. Ainda, a cultura de uma organização pode ser apreendida em vários níveis (Fleury, 1991):
Nível dos artefatos visíveis: fáceis de obter, mas difíceis de interpretar. É o ambiente construído da organização, arquitetura, layout, a maneira de as pessoas se vestirem, padrões de comportamento visíveis, documentos públicos;
Nível dos valores que governam o comportamento das pessoas: valores manifestos na cultura, ou seja, expressam o que as pessoas reportam ser a razão do seu comportamento, o que na maioria das vezes são idealizações ou racionalizações;
Nível dos pressupostos inconscientes: são aqueles pressupostos que determinam como os membros de um grupo percebem, pensam e sentem. À medida que um pressuposto vai se tornando cada vez mais taken for granted, vai passando para o nível do inconsciente.
O mesmo autor diz que se a organização como um todo vivenciou experiências comuns pode existir uma forte cultura organizacional que prevaleça sobre várias subculturas das unidades (cultura dos gerentes, do sindicato, etc.). Schein coloca como de maior importância o papel dos fundadores da organização no processo e moldar seus padrões culturais, que imprimem sua visão de mundo aos demais e também sua visão do papel que a organização deve desempenhar no mundo.
Shein propõe ainda categorias para se investigar o universo cultural de uma organização:
Analisar o teor e o processo de socialização dos novos membros;
Analisar as respostas a incidentes críticos da história da organização;
Analisar as crenças, valores e convicções dos criadores ou portadores da cultura;
Explorar e analisar junto a pessoas de dentro da organização as observações surpreendentes descobertas durante as entrevistas.
Esta linha de estudos assume os sistemas culturais apenas em sua capacidade de comunicação e de expressão de uma visão consensual sobre a própria organização. Entretanto, a dimensão do poder está ausente destes estudos. Para ir além da proposta clássica, que define cultura como representações simbólicas que expressam formas comuns de apreender o mundo, é necessário "politizar" o conceito de cultura, investigando como o universo simbólico expressa relações de poder, oculta-as e instrumentaliza o pólo dominante da relação.
(3) O Rei de Guelras Enormes: O Poder nas Organizações
O Rei representa na lenda o poder. Percebe-se na figura do rei um líder de comportamento autoritário, sem a devida responsabilidade para com seus seguidores (comunidade de peixes). Nas organizações, essa faculdade de um homem determinar o comportamento de outro homem pode se dar através da manipulação, da persuasão, da ameaça de punição e até pela promessa de benefícios e vantagens.
Nesta perspectiva, Max Pagès, estudando o fenômeno do poder e suas articulações na vida de uma organização, trabalha de forma analítica (e não-antropológica) o fenômeno do poder sob diferentes matizes, aliando o referencial marxista à psicanálise freudiana (postura "sistêmico-dialética"):
Como fenômeno de alienação econômica (perspectiva marxista);
Como fenômeno político de imposição e controle sobre as decisões e organização do trabalho;
No nível ideológico, como um fenômeno de apropriação de significados e valores;
No nível psicológico, como um fenômeno de alienação psicológica.
Fleury (1987) coloca a introdução do conceito de mediação como um processo que transforma a contradição básica entre capital e trabalho em uma contradição interna às políticas da organização. A organização hipermoderna tem esta característica, identificada em quatro categorias:
Mediações de ordem econômica (salários, carreira, etc.);
Mediações de ordem política (sistema decisório);
Mediações de ordem ideológica (quer tornar-se um lugar de produção de significado e valor);
Mediações de ordem psicológica (de vantagens / restrições para prazer / agonia, mecanismo de reforço circular, que assegura a manutenção do sistema psicológico em consonância com a estrutura da organização e os reproduz).
O conceito de ideologia desenvolvido pelos autores aproxima-se do conceito de cultura organizacional. Para o autor a ideologia não reside apenas no discurso dos dirigentes, mas é elaborada pelo conjunto dos empregados. A função essencial da ideologia não é apenas mascarar as relações sociais de produção, mas reforçar a dominação e conseguir a exploração dos trabalhadores. Utiliza a metáfora da "religião", que na empresa é colocada em prática nos dispositivos da política de pessoal. Em sua pesquisa, analisa os dogmas, mandamentos da empresa, ritos (confissão: entrevista de avaliação; missa: reuniões; batismo: programa de treinamento, etc.).
Fleury (1989) define cultura a partir da concepção de Shein, mas incorpora a dimensão política inerente a este fenômeno. Assim, cultura organizacional é concebida como:
"...um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação" (Fleury, 1989:22).
Há, ainda, o mito da "grande família" , que revela as duas faces presentes nas relações de trabalho: a face visível da solidariedade, de cooperação, e a face oculta da dominação e submissão.
(4) O Peixinho Vermelho: O Agente de Mudanças
Na lenda, o peixinho vermelho representa o agente promotor de mudança. É considerado um líder democrático, cooperativo, aberto à mudança e sobretudo humano. Buscava conhecimento através do estudo e também conhecia bem a realidade em que vivia, ou seja, os problemas, a estrutura, as bases do grande lago.
Nas organizações, esse agente de mudanças é conhecido como empreendedor. Estes, por sua vez, são elementos dispostos a inovar e criar produtos, estratégias e situações que promovem o desenvolvimento organizacional.
Até meados da década de 70, falar em mudança organizacional era predominantemente falar em projeto ou desenho organizacional. A idéia de mudança estava centrada no conceito de alteração de organogramas, na criação, modificação ou extinção de cargos e funções. É somente nos anos 80 que esta abordagem vai ganhar forma. Grande parte do interesse pelo tema deve-se ao fato de que, após operar todo tipo de mudança em suas empresas, muitos administradores perceberam que ainda era necessários mudar os valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados surgissem.
Para Herzog (citado por Wood, 1992), mudança no contexto organizacional engloba alterações fundamentais no comportamento humano nos padrões de trabalho e nos valores em resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia. Ele considera também que a chave para enfrentar com sucesso o processo de mudança é o gerenciamento das pessoas, mantendo o alto nível de motivação e evitando desapontamentos. Para ele, grande desafio não é a mudança tecnológica, mas mudar as pessoas e a cultura organizacional, renovando os valores para ganhar vantagem competitiva.
Deal e Kennedy (citados por Wood 1992), acreditam que a mudança é necessária quando ocorrem perturbações ambientais e mudar torna-se uma questão de sobrevivência. Delisi, Linder e Koch e Steinhauser (Wood, 1992) exploram a relação entre tecnologia de informação e mudança cultural e o potencial de impacto que a variável tecnológica tem sobre as organizações.
Para Morgan (1996), o processo de mudança tradicionalmente tem sido dado como um problema de mudança das tecnologias, estruturas, habilidades e motivações dos empregados. Embora seja correto, a mudança efetiva depende das mudanças de imagens que deve guiar as ações.
O'Toole (Wood, 1992) considera que os fatores-chave em uma mudança cultural são:
que a mudança seja construída sobre as forças e os valores da organização;
que haja participação em todos os níveis;
que a mudança se dê de forma holística, relacionando-se com a estrutura, estratégica, sistemas de recompensa, sistemas de controle;
que a alta gerência lhe dê todo apoio e que se torne um processo contínuo;
que seja planejada no longo prazo e executada em etapas.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) a cultura é pensada como um conjunto complexo de valores, crenças e pressupostos que definem os modos pelos quais uma empresa conduz seus negócios. Esse núcleo de crenças e pressupostos são manifestos nas estruturas, sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensas dentro da organização. Seria muito mais fácil ajustar as manifestações de cultura do que modificar o núcleo de crenças e pressupostos básicos de uma organização. No entanto, qualquer estratégia para modificar a cultura organizacional terá de envolver pensamentos e ação tanto no nível das crenças básicas como no de suas manifestações.
O ponto de partida para esta análise da mudança estratégica é a noção de que a formulação do conteúdo de qualquer nova estratégia supõe controlar ambiente social, econômico, político e competitivo. O contexto interno é a própria cultura organizacional, através da qual as idéias de mudança devem fluir. O processo de mudança refere-se às ações, reações e interações das várias partes interessadas.
Segundo Morgam (1996), aprende-se a encarar sistemas vivos como entidades distintas caracterizadas por inúmeros padrões de interdependência, tanto internos, como em relação aos seus ambientes. Caso nos coloquemos "dentro" desses sistemas percebemos que estamos dentro de um sistema fechado de interação e que o ambiente é parte da organização do sistema.
O padrão do sistema deve ser entendido como um todo. Por isso não faz sentido dizer que um sistema interage com seu ambiente, são transações dentro de si mesma. Se as relações com o ambiente são internamente determinadas, então os sistemas só podem evoluir e mudar através de mudanças autogeradas na identidade. Quando uma organização deseja entender o seu ambiente, deve então entender-se a si mesma, uma vez que a compreensão do ambiente é sempre uma projeção de si própria. Muitas organizações encontram sérios problemas em lidar com o mundo exterior por não reconhecerem que são uma parte dos seus respectivos ambientes.
(5) O Oceano: o Universo de Inserção das Organizações
O oceano significa o universo de inserção das organizações que sobreviverão e se adaptarão aos impactos das transformações exigidas pela dinâmica do mundo globalizado da Era da Informação. De acordo com Toledo (1997), a mutabilidade é o cenário em que as pessoas e organizações vão encontrar neste fim de milênio e no começo do próximo. Diante disso, coloca-se a necessidade das empresas se adequarem aos novos paradigmas para que permaneçam no mercado. Muitas organizações se vêem como centros, olhando apenas para o seu próprio umbigo, fechadas ao ambiente, em si mesmas, às mudanças. Não querem se comprometer, pois tal ação exige risco.
Um novo modelo de gestão deve, então, ser criado neste cenário de competitividade crescente, tanto no nível das relações externas quanto internas. À medida que os cenários mudam os seres humanos são instados a mudar, a oferecer soluções criativas e a mobilizar novos recursos. E a transformação desse fluxo de mudanças se encontra na sinergia, parceria e na globalização que são formas de união.
(6) A Grade de Escoadouro: Os Obstáculos para a Mudança
Na lenda o escoadouro representa o caminho para a mudança, a ponte. Toda mudança implica algum sacrifício e é sempre cercada por incertezas. É esta passagem estreitíssima que levaria a outro mundo (oceano, rios, riachos, plantas). Mas, para se chegar do outro lado, através desse escoadouro, era preciso que os peixes emagrecessem, renunciassem a muitos hábitos, atitudes, crenças, valores. Desse modo, não atravessar esse escoadouro significa negar a necessidade de mudanças e dizer não às novas oportunidades, enfim, significa uma resistência à mudança.
As organizações por estarem inseridas num contexto de mudanças constantes precisam se adaptar às novas realidades com as quais se defrontam. Por exemplo, tais realidades poderiam ser a necessidade de uma nova política de recursos humanos, ou uma nova forma de gestão e planejamento; ou ainda, mudanças nas estruturas, sistemas e processos ou urgência de informatização; ou até mudanças políticas e novas tecnologias. A despeito de tais pressões, muitas organizações não procedem as atitudes necessárias para instaurarem o processo que as levaria a modificar o seu status quo. Talvez o maior foco de resistência seja o fato de que a questão não é somente mudar, e sim gerenciar a mudança, o que implica na tarefa extremamente difícil de gerenciar a própria cultura da organização.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) as dificuldades de se gerenciar a cultura de uma organização são devidas aos seguintes problemas:
Problema dos níveis: a cultura existe em uma variedade de níveis diferentes na empresa. Refere-se às crenças e pressupostos das pessoas dentro da organização. É muito mais difícil modificar manifestações de cultura;
Problema da infiltração: a cultura refere-se também aos produtos da empresa, às estruturas, aos sistemas, à missão da empresa, recompensas, socialização;
Problema do implícito: é difícil modificar coisas que são implícitas no pensamento e no comportamento das pessoas;
Problema do impresso: a história tem grande peso na administração presente e futura na maioria das organizações;
Problema do político: refere-se às conexões entre a cultura organizacional e a distribuição do poder na empresa. Esses grupos de poder não estão dispostos a abandonar tais crenças;
Problema da pluralidade: a maioria das empresas não possui uma única cultura organizacional, podendo apresentar uma série de subculturas;
Problema da interdependência: a cultura está interconectada não apenas com a política da empresa, mas com a estrutura, os sistemas, as pessoas e as prioridades da empresa.
Para criar e manter a cultura, a rede de concepções, normas e valores devem ser afirmados e comunicados aos membros da organização de uma forma tangível (Fleury, 1991), que são as formas culturais, ou seja, os ritos, rituais, mitos, histórias, gestos e artefatos.
O rito se configura como uma categoria analítica privilegiada para desvendar a cultura das organizações. Ao desempenhar um rito, as pessoas se expressam através de diversos símbolos: certos gestos, linguagem, comportamentos ritualizados, artefatos para salientar uma visão consensual apropriada à ocasião. Comparando os relatos antropológicos dos ritos das sociedades tribais com os da vida das organizações modernas, Beyer e Trice (Fleury, 1991) identificaram seis tipos de ritos:
Ritos de passagem: o processo e introdução e treinamento básico no Exército americano;
Ritos de degradação: o processo de despedir e substituir um alto executivo;
Ritos de confirmação: seminários para reforçar a identidade social e seu poder de coesão;
Ritos de reprodução: atividades de desenvolvimento organizacional;
Ritos para redução de conflito: processos de negociação coletiva;
Ritos de integração: festas de natal nas organizações.
Para os autores, os ritos organizacionais são facilmente identificáveis, porém dificilmente interpretáveis. Pode-se, então, identificar duas posturas teóricas básicas ao se trabalhar o conceito de cultura, que não são excludentes:
aqueles que consideram a cultura como a interação/comunicação entre as pessoas e grupos e elaboração de um conhecimento consensual sobre significado do mundo (arte, mito, linguagem => sistema simbólico);
aqueles que consideram a cultura como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente (ideologia).
(7) A Baleia : O Perigo da Precipitação
Na nossa história o encontro com a baleia representa exatamente o extremo da organização que resiste às mudanças: é aquela que se deixa levar inconseqüentemente por qualquer "onda" que lhe acene com a promessa de solução de seus problemas, aceitando o modismo da mudança sem uma avaliação adequada de suas reais necessidades e um planejamento sério para levar a termo tais tentativas de transformação.
Podemos incluir aqui as chamadas "maquiagens", muda-se a forma mas o conteúdo permanece o mesmo. Ou então são os "desvios" da mudança, em que a empresa, por ignorância, falta de orientação ou por má interpretação dos fatos não procedeu de forma a viabilizar aquilo que pretendia e acaba faceando situações danosas para as quais não tem defesa, e que podem inclusive vir a causar-lhe a extinção. A baleia também pode representar o reconhecimento do erro, quando os desvios mencionados são detectados em sua fase inicial e ainda são passíveis de serem corrigidos.
(8) A Seca: O Destino das Organizações Estanques
A Seca representa o futuro para aquelas organizações que não aceitarem os novos paradigmas. Aquelas que não acompanharem o influxo dos requisitos para a sobrevivência no mercado globalizado estão destinadas a desaparecer. As mudanças globais na economia delineiam um novo cenário que traz, para as empresas, drásticas mudanças nas relações de troca: exigência dos consumidores e necessidades de qualidade de vida do trabalho. Por isso, é necessário que as mudanças se façam nos processos sociais internos, para que se modifiquem também as pessoas a fim de que este modelo de gestão funcione.
Diante disso, torna-se necessário superar as barreiras dos antigos comportamentos. Em primeiro lugar, através da quebra dos paradigmas construídos sobre a realidade passada, para que um novo paradigma possa fazer emergir uma nova realidade sobre ele construída. As organizações devem se preparar para os possíveis desafios, através de um processo contínuo de aprendizagem, mobilização de recursos adicionais para atenderem às novas demandas e adaptação ao novo ambiente; caso contrário, as organizações estão fadadas à morte (falência).
(9) O Palácio de Coral: O Futuro das Organizações
Em nossa história o palácio de coral representa o novo estado possível da organização, ou, dito de outra forma, como serão as arquiteturas organizacionais para o século 21. Desde meados dos anos 80 têm aumentado as pressões sobre as empresas que desejam continuar no mercado com êxito. As transformações por que passa a nossa época são bastante diferenciadas daquelas trazidas no bojo da Revolução Industrial que motivou a reorganização das relações mundiais de produção e trabalho. Várias foram as forças que delinearam este novo cenário organizacional, dentre as quais pode-se citar a tecnologia, a competição, o excesso de oferta, a globalização, as expectativas do cliente, a participação governamental, as relações de propriedade e a dinâmica das forças de trabalho.
Neste contexto, é fácil perceber que as organizações para sobreviverem devem enfrentar todos estes desafios, o que pressupõe uma capacidade de prever mudanças e administrá-las, privilegiando a adaptabilidade, a flexibilidade, a sensibilidade, a decisão e a rapidez; daí a crucial importância do desenvolvimento antecipado de estratégias, ou, dito de outra forma, o que faz a diferença fundamental entre as empresas no mundo moderno é a qualidade do seu planejamento estratégico.
Assim, podemos inferir que no futuro as organizações provavelmente terão, entre outras, as seguintes características: organizações em redes de fornecedores, concorrentes e clientes cooperando para sobreviver, limites organizacionais imprecisos (várias lealdades); sistemas de trabalho de alto desempenho (processos e qualidade total); equipes serão a norma; subunidades serão autônomas; normas e valores dão coesão para direção e coordenação ativas; formas organizacionais fluidas e transitórias; ênfase do aprendizado em nível de sistema; desenvolvimento da visão estratégica e visão específica; e menor ênfase no desempenho financeiro de curto prazo.
CONCLUSÃO
De acordo com Tavares (1991), as características próprias de cada organização nascem das estratégias adotadas por seus dirigentes a fim de manter a empresa. As pessoas têm que estar de acordo com estas características, e estes pressupostos vão se internalizando, formando uma posição a respeito de "como as coisas são".
A partir de exigências para mudanças no ajustamento externo estas podem impulsionar desdobramentos internos de alteração nos sistemas de integração e coordenação. As culturas mudam pelos mesmos processos pelos quais se formam, transformam sua interpretação em ação visível, através do exemplo vivido e inteligível para o grupo como um todo, permitindo uma orientação no agir e interagir do cotidiano da empresa.
O grande dilema que parece estar no bojo de toda esta transformação é a questão do gerenciamento das contradições entre cultura e mudança organizacional. Enquanto a primeira enseja uma sedimentação lenta, mais definida pela passagem do tempo, a segunda pede a adaptabilidade instantânea para responder aos desafios que este mesmo tempo lhe impõe. Faz-se mister, portanto, aprender a mudar, o que significa aprender e apreender o que ode e deve ser feito com os instrumentos e técnicas disponíveis do planejamento e do controle do processo, pois, embora não possamos realmente prever o futuro, parece claro que este mesmo futuro não será alcançado a menos que tentemos ir até ele.
Alguns quesitos terão maior relevância sobre outros ao longo deste caminho que estamos percorrendo no sentido de aprenderemos a mudar. Apenas para exemplificar o gênero de desafios que nos espera podemos citar:
a administração de contratos de parceira (parceiros não são empregados);
o equilíbrio de tendências opostas;
a administração de grupos e suas implicações (já que o trabalho em equipe vai prevalecer, como ficam questões como compensação, avaliação, feedback e procedimentos disciplinares?);
alta tecnologia versus liberdades civis (como normatizar o sigilo da informação? Será a perda de liberdade maior que o ganho em produtividade?);
possível lentidão de algumas mudanças (a capacidade de adaptação ditará o ritmo).
Um outro aspecto que merece atenção é o caráter episódico que parece estar erroneamente associado ao processo de mudança. Mudar é um processo contínuo, que deve ser incorporado ao modus operandi da empresa de forma a permitir a sua inserção na dinâmica das transformações que caracterizam o atual estágio de transformações aceleradas do mundo moderno. Mudar é estar em sintonia com este processo social por que passa a humanidade, filtrando o melhor e aprendendo com o erro.
Muitas metáforas podem ser usadas na tentativa de explicar o funcionamento das organizações. Morgan (1996) descrever algumas, a saber:
Organizações como máquinas: desenvolvimento da organização burocrática; máquinas feitas de partes que se interligam, cada uma desempenhando um papel claramente definido no funcionamento do todo;
Organizações como organismos: compreender e administrar as "necessidades" organizacionais e as relações com o ambiente, diferentes tipos de organizações como pertencendo a diferentes espécies;
Organizações como cérebros: importância do processamento de informações, aprendizagem e inteligência; cérebro como um computador, cérebro como um holograma;
Organizações como culturas: realidades socialmente construídas sustentadas por um conjunto de idéias, valores, normas, rituais e crenças;
Organizações como sistemas políticos: sistemas de governo baseados em vários princípios políticos que legitimam diferentes tipos de regras assim como os fatores específicos que delineiam a política da vida organizacional;
Organizações como prisões psíquicas: as pessoas caem nas armadilhas dos seus próprios pensamentos, idéias e crenças ou preocupações que se originam na dimensão inconsciente da mente;
Organizações como fluxo e transformação: compreensão da lógica de mudança que dá forma à vida social (sistemas autoprodutores, causalidade mútua, lógica dialética);
Organizações como instrumentos de dominação: aspectos potencialmente exploradores das organizações; sua essência repousa sobre um processo de dominação em que certas pessoas impõem seus desejos sobre as outras.
O presente trabalho propõe-se a abordar as organizações vistas como culturas e as organizações vistas como fluxo e transformação, ou seja, pretende enfocar as relações entre cultura e mudança organizacional. Para tanto, apresentaremos o texto "Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho", de autoria anônima. Por meio deste conto abordaremos o conceito de cultura e as formas culturais existentes nas organizações. Através da lenda enfatizaremos também o papel do agente de mudanças, delineando algumas visões sobre a mudança organizacional e os fatores-chave que nela intervêm.
A HISTÓRIA
A seguir, apresentamos o texto, pedindo a atenção do leitor para as partes por nós grifadas para posterior análise.
Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho
No centro de formoso jardim, havia um grande lago (1), adornado de ladrilhos azul-turquesa.
Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita.
Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes (2) a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de Rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguiça. Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho (4) menosprezado de todos.
Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.
Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.
O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome.
Não encontrando pouso no vastíssimo domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse.
Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniriam maior massa de lama por ocasião de aguaceiros.
Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro (6).
À frente da imprevista oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo:
– "Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?"
Optou pela mudança.
Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima.
Pronunciando votos renovadores, avançou, otimista pelo rego d'água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu embriagado de esperança...
Em breve, alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos.
Encontrou peixes de muitas famílias diferentes que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhes mais fácil roteiro.
Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo.
Habituado com pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e agilidade naturais.
Conseguiu, desse modo, atingir o oceano (5), ébrio de novidade e sedento de estudo.
De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia (7) para quem toda água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária.
Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos peixes, rogando proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas.
O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações.
Plenamente transformado sem suas concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.
Vivia, agora, sorridente e calmo, no palácio de coral (9) que elegera, com centenas de amigos, para residência ditosa, quando, aos se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.
O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles.
Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los, prestando-lhes o tempo valiosas informações?
Não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no palácio de coral, compreendeu comprida viagem de volta.
Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.
Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros. Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supões que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia.
Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de lótus, de onde saíam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis.
Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porquanto ninguém, ali havia dado pela ausência dele. Ridicularizado, procurou, então, o Rei de guelras enormes (3) e comunicou-lhe a reveladora aventura.
O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro mundo líquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma insignificância que podia desaparecer de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao palácio do coral, onde viveriam todos, prósperos e tranqüilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à aventurosa jornada.
Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção. Ninguém acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquela história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.
O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até à grade de escoamento e, tentando de longe, a travessia, exclamou, borbulhante:
– "Não vês que não cabe aqui nem uma só das minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! Não nos perturbe o bem-estar...Nosso lago é o centro do universo...Ninguém possui vida igual à nossa!..."
Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no palácio de coral, aguardando o tempo.
Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca (8).
As águas desceram de nível. E o poço onde vivam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a aparecer, atolada na lama...
Apresentada a história, faremos associações entre alguns elementos do texto e aqueles elementos que encontramos na cultura de uma organização, notadamente a dificuldade em gerir a mudança e o papel fundamental do agente de mudança (embora, nesta história, ele não tenha conseguido "salvar" a sua comunidade "organizacional").
PARALELO: HISTÓRIA COM CULTURA E MUDANÇA ORGANIZACIONAL
Destacamos alguns personagens e símbolos que julgamos importantes para o alcance do objetivo de nosso artigo, qual seja, fazer um paralelo entre a história com a cultura e transformações de uma empresa.
(1) Um grande lago e (2) uma Comunidade de Peixes: A Organização e sua Cultura
O grande lago e a comunidade de peixes representam na nossa realidade a organização e a sua cultura. Não nos esqueçamos de que o lago é apenas o locus organizacional, posto que a comunidade (indivíduos e sua cultura) é que verdadeiramente "cria" a organização. A cultura organizacional, por sua vez, é formada por políticas internas e externas, sistemas, crenças, valores e clima organizacional.
O interesse sobre cultura organizacional recrudesceu nos anos 70, devido ao fenômeno japonês. O Japão surgiu como líder do poder industrial, apesar de não ter recursos naturais, não ter energia e ser um país superpovoado (mais de 110 milhões de habitantes). Entretanto, nenhum desses fatores impediu que houvesse um alto nível de crescimento, um baixo nível de desemprego e a mis bem-remunerada e saudável população trabalhadora do mundo. Assim, entender a cultura desse povo tornou-se importante para compreender a sua ascensão na economia mundial.
Segundo Fleury (1991), há vários caminhos para se desvendar a cultura de uma organização. Dentre eles destacam-se:
O Histórico das Organizações: o momento de criação de uma organização e sua inserção no contexto político e econômico da época propiciam o pano de fundo necessário para compreensão da natureza da organização, suas metas, seus objetivos. O fundador neste contexto tem um papel fundamental, pois ele detém a concepção global sobre o projeto da organização e tem o poder para estruturá-la, desenvolvê-la e tecer elementos simbólicos consistentes com esta visão.
Os incidentes críticos por que passou a organização, tais como crises, expansões, pontos de inflexão, de fracassos ou sucessos também são formadores de sua história. Nestes momentos, o tecido simbólico se revela mais facilmente ao pesquisador, pois certos valores importantes de serem preservados ou, pelo contrário, questionados, emergem com maior nitidez;
O Processo de Socialização de Novos Membros: o momento de socialização é crucial para a reprodução do universo simbólico. É através das estratégias de integração do indivíduo à organização que os valores e comportamento vão sendo transmitidos e incorporados pelos novos membros. As estratégias mais usuais são os programas de treinamento e integração de novos funcionários. Os rituais de socialização desempenham ao mesmo tempo o papel de inclusão do indivíduo ao grupo e delimitação do processo de exclusão dos demais;
As Políticas de Recursos Humanos: as políticas de recursos humanos têm papel relevante no processo de construção de identidade da organização por serem as mediadoras da relação entre capital e trabalho. Analisando as políticas explícitas e principalmente as políticas implícitas de recursos humanos de uma organização é possível decifrar e interpretar os padrões culturais desta organização;
O Processo de Comunicação: a comunicação é um dos elementos essenciais no processo de criação, transmissão e cristalização do universo simbólico de uma organização. É preciso identificar os meios formais orais (contactos diretos, reuniões, telefonemas) e escritos (jornais, circulares, "memos") e os meios informais, como por exemplo a "rádio-peão". O mapeamento dos meios permite o desvendar das relações entre categorias, grupos e áreas da organização;
A Organização do Processo de Trabalho: a análise da organização do processo de trabalho em sua componente tecnológica e em sua componente social, como forma de gestão da força de trabalho, possibilita a identificação das categorias presentes na relação de trabalho. Assim, ela é importante para desvendar aspectos formadores da identidade organizacional, além de fornecer o referencial para se decifrar a dimensão político-construtiva do elemento simbólico. Ou seja, para se questionar como elementos simbólicos ocultam ou instrumentalizam relações de poder é preciso rebater a análise para o plano concreto das relações entre os agentes no processo de trabalho;
As Técnicas de Investigação: derivam das propostas teórico-metodológicas desenvolvidas pelos autores. Na ênfase quantitativa utiliza-se levantamento de opinião, através de questionários, escalas, entrevistas, etc. Na ênfase qualitativa utilizam-se dados secundários da própria organização (documentos, relatórios manuais de pessoal, organogramas, jornais, etc.). As técnicas mais utilizadas para coleta de dados primários são entrevistas, observação participante e não participante e dinâmicas de grupo, com uso de jogos e simulações.
Cultura usualmente é tida como o padrão de desenvolvimento refletido nos sistemas sociais de conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais cotidianos. Também é vista como o grau de refinamento e evidente em tais sistemas de crenças e práticas.
A antropologia serve de base para o estudo da cultura organizacional. Requer uma ruptura radical com a crença de que existe um centro do mundo e de que algumas culturas são mais avançadas ou evoluídas que outras. O antropólogo social ou organizacional deve ter elevado grau de relativismo cultural, de modo a neutralizar eventuais distorções provocadas por seu contexto cultural de origem. A experiência da alteridade leva a se perceber a própria cultura, através do reconhecimento de que ela nada tem de natural e sim é essencialmente formada de construções sociais, e a cultura do outro.
A cultura pode ser entendida como um sistema simbólico, tal como a arte, o mito, a linguagem, em sua qualidade de instrumento de comunicação entre as pessoas e os grupos sociais, que permite a elaboração de um conhecimento consensual sobre o significado do mundo; e também como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente.
Na perspectiva da Antropologia, a dimensão simbólica é concebida como capaz de integrar todos os aspectos da prática social. Segundo Durhan (Fleury, 1987), os antropólogos tenderam sempre a conceber os padrões culturais não como um molde que produziria condutas estritamente idênticas, mas antes como as regras de um jogo, isto é, uma estrutura que permite atribuir significado a certas ações e em função da qual se jogam infinitas partidas. Não existe também a preocupação em estabelecer relações entre as representações e o poder.
Entre os sociólogos uma corrente importante para a análise da cultura é o interacionismo simbólico (Fleury, 1987), no qual toda atividade está sujeita ao hábito. Qualquer ação freqüentemente repetida torna-se um padrão que pode ser reproduzido, com economia de esforço e tempo. Os fenômenos estão pré-arranjados em padrões que parecem ser independentes da apreensão que cada pessoa faz deles individualmente. A realidade se impõe como objetivada, isto é, constituída por uma série de objetivos que foram designados como objetos antes da "minha" aparição (como indivíduo) em cena. Existe o compartilhar de um senso comum sobre a realidade, produzindo signos (sinais que têm significação). Nas organizações, observa-se como certos símbolos são criados e os procedimentos implícitos e explícitos para legitimá-los.
Discutem-se também os processos de socialização vivenciados pelo indivíduo, quais sejam:
Socialização Primária: onde o indivíduo se toma membro de uma sociedade. O cunho da realidade do conhecimento é internalizado quase que automaticamente pelo indivíduo, através, principalmente, da linguagem;
Socialização Secundária: introduz um indivíduo já socializado a novos setores do mundo objetivo. A identificação acontece somente na medida necessária para a comunicação entre seres humanos. Sua extensão e seu caráter são determinados pela complexidade da divisão do trabalho e pela distribuição social do conhecimento de uma dada sociedade.
Smirchich (Fleury, 1987) propõe duas linhas de pesquisa:
A cultura como uma variável, como alguma coisa que a organização tem: ligada ao modelo sistêmico de organização, tem um objetivo normativo – realizar diagnósticos com análises comparativas que subsidiem a elaboração de estratégias de ação das empresas. Por sua vez esta linha de pesquisa considera dois tipos de variáveis:
como variável independente, externa à organização (a cultura da sociedade em que se insere a organização e que é trazida para dentro por seus membros);
como variável interna à organização (as organizações produzem bens, serviços e produtos culturais como lendas, ritos, símbolos); é resultado do desempenho e de representações dos indivíduos nas organizações;
A cultura como raiz da própria organização, algo que a organização é: esta segunda abordagem procura ir além da visão instrumental da organização para pensá-la como um fenômeno social derivado do conceito antropológico de cultura.Dentro dessa abordagem, a autora coloca três correntes antropológicas que embasariam as pesquisas sobre cultura organizacional:
Cognitivista: cultura é definida como um sistema de conhecimento e crenças compartilhados. É importante determinar quais as regras existentes em uma determinada cultura e como seus membros vêem o mundo;
Estruturalista: a cultura se constitui de signos e símbolos. É convencional, arbitrária e estruturada. É constitutiva da ação social sendo, portanto, indissociável desta;
Simbólica: define cultura como um sistema de símbolos e significados compartilhados que necessita ser decifrado e interpretado. As pessoas procuram decifrar a organização em termos de pautar e adequar o seu próprio comportamento.
Nesta última corrente, Van Maanem (Fleury, 1991) identifica vários tipos de estratégias de socialização, que podem ser combinados em função de se adequar o mais eficientemente possível o indivíduo aos objetivos e natureza daquela organização (tem a ver com a socialização secundária de Berger).
Para Schein, também desta última corrente, cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa ou integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas. Ainda, a cultura de uma organização pode ser apreendida em vários níveis (Fleury, 1991):
Nível dos artefatos visíveis: fáceis de obter, mas difíceis de interpretar. É o ambiente construído da organização, arquitetura, layout, a maneira de as pessoas se vestirem, padrões de comportamento visíveis, documentos públicos;
Nível dos valores que governam o comportamento das pessoas: valores manifestos na cultura, ou seja, expressam o que as pessoas reportam ser a razão do seu comportamento, o que na maioria das vezes são idealizações ou racionalizações;
Nível dos pressupostos inconscientes: são aqueles pressupostos que determinam como os membros de um grupo percebem, pensam e sentem. À medida que um pressuposto vai se tornando cada vez mais taken for granted, vai passando para o nível do inconsciente.
O mesmo autor diz que se a organização como um todo vivenciou experiências comuns pode existir uma forte cultura organizacional que prevaleça sobre várias subculturas das unidades (cultura dos gerentes, do sindicato, etc.). Schein coloca como de maior importância o papel dos fundadores da organização no processo e moldar seus padrões culturais, que imprimem sua visão de mundo aos demais e também sua visão do papel que a organização deve desempenhar no mundo.
Shein propõe ainda categorias para se investigar o universo cultural de uma organização:
Analisar o teor e o processo de socialização dos novos membros;
Analisar as respostas a incidentes críticos da história da organização;
Analisar as crenças, valores e convicções dos criadores ou portadores da cultura;
Explorar e analisar junto a pessoas de dentro da organização as observações surpreendentes descobertas durante as entrevistas.
Esta linha de estudos assume os sistemas culturais apenas em sua capacidade de comunicação e de expressão de uma visão consensual sobre a própria organização. Entretanto, a dimensão do poder está ausente destes estudos. Para ir além da proposta clássica, que define cultura como representações simbólicas que expressam formas comuns de apreender o mundo, é necessário "politizar" o conceito de cultura, investigando como o universo simbólico expressa relações de poder, oculta-as e instrumentaliza o pólo dominante da relação.
(3) O Rei de Guelras Enormes: O Poder nas Organizações
O Rei representa na lenda o poder. Percebe-se na figura do rei um líder de comportamento autoritário, sem a devida responsabilidade para com seus seguidores (comunidade de peixes). Nas organizações, essa faculdade de um homem determinar o comportamento de outro homem pode se dar através da manipulação, da persuasão, da ameaça de punição e até pela promessa de benefícios e vantagens.
Nesta perspectiva, Max Pagès, estudando o fenômeno do poder e suas articulações na vida de uma organização, trabalha de forma analítica (e não-antropológica) o fenômeno do poder sob diferentes matizes, aliando o referencial marxista à psicanálise freudiana (postura "sistêmico-dialética"):
Como fenômeno de alienação econômica (perspectiva marxista);
Como fenômeno político de imposição e controle sobre as decisões e organização do trabalho;
No nível ideológico, como um fenômeno de apropriação de significados e valores;
No nível psicológico, como um fenômeno de alienação psicológica.
Fleury (1987) coloca a introdução do conceito de mediação como um processo que transforma a contradição básica entre capital e trabalho em uma contradição interna às políticas da organização. A organização hipermoderna tem esta característica, identificada em quatro categorias:
Mediações de ordem econômica (salários, carreira, etc.);
Mediações de ordem política (sistema decisório);
Mediações de ordem ideológica (quer tornar-se um lugar de produção de significado e valor);
Mediações de ordem psicológica (de vantagens / restrições para prazer / agonia, mecanismo de reforço circular, que assegura a manutenção do sistema psicológico em consonância com a estrutura da organização e os reproduz).
O conceito de ideologia desenvolvido pelos autores aproxima-se do conceito de cultura organizacional. Para o autor a ideologia não reside apenas no discurso dos dirigentes, mas é elaborada pelo conjunto dos empregados. A função essencial da ideologia não é apenas mascarar as relações sociais de produção, mas reforçar a dominação e conseguir a exploração dos trabalhadores. Utiliza a metáfora da "religião", que na empresa é colocada em prática nos dispositivos da política de pessoal. Em sua pesquisa, analisa os dogmas, mandamentos da empresa, ritos (confissão: entrevista de avaliação; missa: reuniões; batismo: programa de treinamento, etc.).
Fleury (1989) define cultura a partir da concepção de Shein, mas incorpora a dimensão política inerente a este fenômeno. Assim, cultura organizacional é concebida como:
"...um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação" (Fleury, 1989:22).
Há, ainda, o mito da "grande família" , que revela as duas faces presentes nas relações de trabalho: a face visível da solidariedade, de cooperação, e a face oculta da dominação e submissão.
(4) O Peixinho Vermelho: O Agente de Mudanças
Na lenda, o peixinho vermelho representa o agente promotor de mudança. É considerado um líder democrático, cooperativo, aberto à mudança e sobretudo humano. Buscava conhecimento através do estudo e também conhecia bem a realidade em que vivia, ou seja, os problemas, a estrutura, as bases do grande lago.
Nas organizações, esse agente de mudanças é conhecido como empreendedor. Estes, por sua vez, são elementos dispostos a inovar e criar produtos, estratégias e situações que promovem o desenvolvimento organizacional.
Até meados da década de 70, falar em mudança organizacional era predominantemente falar em projeto ou desenho organizacional. A idéia de mudança estava centrada no conceito de alteração de organogramas, na criação, modificação ou extinção de cargos e funções. É somente nos anos 80 que esta abordagem vai ganhar forma. Grande parte do interesse pelo tema deve-se ao fato de que, após operar todo tipo de mudança em suas empresas, muitos administradores perceberam que ainda era necessários mudar os valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados surgissem.
Para Herzog (citado por Wood, 1992), mudança no contexto organizacional engloba alterações fundamentais no comportamento humano nos padrões de trabalho e nos valores em resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia. Ele considera também que a chave para enfrentar com sucesso o processo de mudança é o gerenciamento das pessoas, mantendo o alto nível de motivação e evitando desapontamentos. Para ele, grande desafio não é a mudança tecnológica, mas mudar as pessoas e a cultura organizacional, renovando os valores para ganhar vantagem competitiva.
Deal e Kennedy (citados por Wood 1992), acreditam que a mudança é necessária quando ocorrem perturbações ambientais e mudar torna-se uma questão de sobrevivência. Delisi, Linder e Koch e Steinhauser (Wood, 1992) exploram a relação entre tecnologia de informação e mudança cultural e o potencial de impacto que a variável tecnológica tem sobre as organizações.
Para Morgan (1996), o processo de mudança tradicionalmente tem sido dado como um problema de mudança das tecnologias, estruturas, habilidades e motivações dos empregados. Embora seja correto, a mudança efetiva depende das mudanças de imagens que deve guiar as ações.
O'Toole (Wood, 1992) considera que os fatores-chave em uma mudança cultural são:
que a mudança seja construída sobre as forças e os valores da organização;
que haja participação em todos os níveis;
que a mudança se dê de forma holística, relacionando-se com a estrutura, estratégica, sistemas de recompensa, sistemas de controle;
que a alta gerência lhe dê todo apoio e que se torne um processo contínuo;
que seja planejada no longo prazo e executada em etapas.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) a cultura é pensada como um conjunto complexo de valores, crenças e pressupostos que definem os modos pelos quais uma empresa conduz seus negócios. Esse núcleo de crenças e pressupostos são manifestos nas estruturas, sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensas dentro da organização. Seria muito mais fácil ajustar as manifestações de cultura do que modificar o núcleo de crenças e pressupostos básicos de uma organização. No entanto, qualquer estratégia para modificar a cultura organizacional terá de envolver pensamentos e ação tanto no nível das crenças básicas como no de suas manifestações.
O ponto de partida para esta análise da mudança estratégica é a noção de que a formulação do conteúdo de qualquer nova estratégia supõe controlar ambiente social, econômico, político e competitivo. O contexto interno é a própria cultura organizacional, através da qual as idéias de mudança devem fluir. O processo de mudança refere-se às ações, reações e interações das várias partes interessadas.
Segundo Morgam (1996), aprende-se a encarar sistemas vivos como entidades distintas caracterizadas por inúmeros padrões de interdependência, tanto internos, como em relação aos seus ambientes. Caso nos coloquemos "dentro" desses sistemas percebemos que estamos dentro de um sistema fechado de interação e que o ambiente é parte da organização do sistema.
O padrão do sistema deve ser entendido como um todo. Por isso não faz sentido dizer que um sistema interage com seu ambiente, são transações dentro de si mesma. Se as relações com o ambiente são internamente determinadas, então os sistemas só podem evoluir e mudar através de mudanças autogeradas na identidade. Quando uma organização deseja entender o seu ambiente, deve então entender-se a si mesma, uma vez que a compreensão do ambiente é sempre uma projeção de si própria. Muitas organizações encontram sérios problemas em lidar com o mundo exterior por não reconhecerem que são uma parte dos seus respectivos ambientes.
(5) O Oceano: o Universo de Inserção das Organizações
O oceano significa o universo de inserção das organizações que sobreviverão e se adaptarão aos impactos das transformações exigidas pela dinâmica do mundo globalizado da Era da Informação. De acordo com Toledo (1997), a mutabilidade é o cenário em que as pessoas e organizações vão encontrar neste fim de milênio e no começo do próximo. Diante disso, coloca-se a necessidade das empresas se adequarem aos novos paradigmas para que permaneçam no mercado. Muitas organizações se vêem como centros, olhando apenas para o seu próprio umbigo, fechadas ao ambiente, em si mesmas, às mudanças. Não querem se comprometer, pois tal ação exige risco.
Um novo modelo de gestão deve, então, ser criado neste cenário de competitividade crescente, tanto no nível das relações externas quanto internas. À medida que os cenários mudam os seres humanos são instados a mudar, a oferecer soluções criativas e a mobilizar novos recursos. E a transformação desse fluxo de mudanças se encontra na sinergia, parceria e na globalização que são formas de união.
(6) A Grade de Escoadouro: Os Obstáculos para a Mudança
Na lenda o escoadouro representa o caminho para a mudança, a ponte. Toda mudança implica algum sacrifício e é sempre cercada por incertezas. É esta passagem estreitíssima que levaria a outro mundo (oceano, rios, riachos, plantas). Mas, para se chegar do outro lado, através desse escoadouro, era preciso que os peixes emagrecessem, renunciassem a muitos hábitos, atitudes, crenças, valores. Desse modo, não atravessar esse escoadouro significa negar a necessidade de mudanças e dizer não às novas oportunidades, enfim, significa uma resistência à mudança.
As organizações por estarem inseridas num contexto de mudanças constantes precisam se adaptar às novas realidades com as quais se defrontam. Por exemplo, tais realidades poderiam ser a necessidade de uma nova política de recursos humanos, ou uma nova forma de gestão e planejamento; ou ainda, mudanças nas estruturas, sistemas e processos ou urgência de informatização; ou até mudanças políticas e novas tecnologias. A despeito de tais pressões, muitas organizações não procedem as atitudes necessárias para instaurarem o processo que as levaria a modificar o seu status quo. Talvez o maior foco de resistência seja o fato de que a questão não é somente mudar, e sim gerenciar a mudança, o que implica na tarefa extremamente difícil de gerenciar a própria cultura da organização.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) as dificuldades de se gerenciar a cultura de uma organização são devidas aos seguintes problemas:
Problema dos níveis: a cultura existe em uma variedade de níveis diferentes na empresa. Refere-se às crenças e pressupostos das pessoas dentro da organização. É muito mais difícil modificar manifestações de cultura;
Problema da infiltração: a cultura refere-se também aos produtos da empresa, às estruturas, aos sistemas, à missão da empresa, recompensas, socialização;
Problema do implícito: é difícil modificar coisas que são implícitas no pensamento e no comportamento das pessoas;
Problema do impresso: a história tem grande peso na administração presente e futura na maioria das organizações;
Problema do político: refere-se às conexões entre a cultura organizacional e a distribuição do poder na empresa. Esses grupos de poder não estão dispostos a abandonar tais crenças;
Problema da pluralidade: a maioria das empresas não possui uma única cultura organizacional, podendo apresentar uma série de subculturas;
Problema da interdependência: a cultura está interconectada não apenas com a política da empresa, mas com a estrutura, os sistemas, as pessoas e as prioridades da empresa.
Para criar e manter a cultura, a rede de concepções, normas e valores devem ser afirmados e comunicados aos membros da organização de uma forma tangível (Fleury, 1991), que são as formas culturais, ou seja, os ritos, rituais, mitos, histórias, gestos e artefatos.
O rito se configura como uma categoria analítica privilegiada para desvendar a cultura das organizações. Ao desempenhar um rito, as pessoas se expressam através de diversos símbolos: certos gestos, linguagem, comportamentos ritualizados, artefatos para salientar uma visão consensual apropriada à ocasião. Comparando os relatos antropológicos dos ritos das sociedades tribais com os da vida das organizações modernas, Beyer e Trice (Fleury, 1991) identificaram seis tipos de ritos:
Ritos de passagem: o processo e introdução e treinamento básico no Exército americano;
Ritos de degradação: o processo de despedir e substituir um alto executivo;
Ritos de confirmação: seminários para reforçar a identidade social e seu poder de coesão;
Ritos de reprodução: atividades de desenvolvimento organizacional;
Ritos para redução de conflito: processos de negociação coletiva;
Ritos de integração: festas de natal nas organizações.
Para os autores, os ritos organizacionais são facilmente identificáveis, porém dificilmente interpretáveis. Pode-se, então, identificar duas posturas teóricas básicas ao se trabalhar o conceito de cultura, que não são excludentes:
aqueles que consideram a cultura como a interação/comunicação entre as pessoas e grupos e elaboração de um conhecimento consensual sobre significado do mundo (arte, mito, linguagem => sistema simbólico);
aqueles que consideram a cultura como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente (ideologia).
(7) A Baleia : O Perigo da Precipitação
Na nossa história o encontro com a baleia representa exatamente o extremo da organização que resiste às mudanças: é aquela que se deixa levar inconseqüentemente por qualquer "onda" que lhe acene com a promessa de solução de seus problemas, aceitando o modismo da mudança sem uma avaliação adequada de suas reais necessidades e um planejamento sério para levar a termo tais tentativas de transformação.
Podemos incluir aqui as chamadas "maquiagens", muda-se a forma mas o conteúdo permanece o mesmo. Ou então são os "desvios" da mudança, em que a empresa, por ignorância, falta de orientação ou por má interpretação dos fatos não procedeu de forma a viabilizar aquilo que pretendia e acaba faceando situações danosas para as quais não tem defesa, e que podem inclusive vir a causar-lhe a extinção. A baleia também pode representar o reconhecimento do erro, quando os desvios mencionados são detectados em sua fase inicial e ainda são passíveis de serem corrigidos.
(8) A Seca: O Destino das Organizações Estanques
A Seca representa o futuro para aquelas organizações que não aceitarem os novos paradigmas. Aquelas que não acompanharem o influxo dos requisitos para a sobrevivência no mercado globalizado estão destinadas a desaparecer. As mudanças globais na economia delineiam um novo cenário que traz, para as empresas, drásticas mudanças nas relações de troca: exigência dos consumidores e necessidades de qualidade de vida do trabalho. Por isso, é necessário que as mudanças se façam nos processos sociais internos, para que se modifiquem também as pessoas a fim de que este modelo de gestão funcione.
Diante disso, torna-se necessário superar as barreiras dos antigos comportamentos. Em primeiro lugar, através da quebra dos paradigmas construídos sobre a realidade passada, para que um novo paradigma possa fazer emergir uma nova realidade sobre ele construída. As organizações devem se preparar para os possíveis desafios, através de um processo contínuo de aprendizagem, mobilização de recursos adicionais para atenderem às novas demandas e adaptação ao novo ambiente; caso contrário, as organizações estão fadadas à morte (falência).
(9) O Palácio de Coral: O Futuro das Organizações
Em nossa história o palácio de coral representa o novo estado possível da organização, ou, dito de outra forma, como serão as arquiteturas organizacionais para o século 21. Desde meados dos anos 80 têm aumentado as pressões sobre as empresas que desejam continuar no mercado com êxito. As transformações por que passa a nossa época são bastante diferenciadas daquelas trazidas no bojo da Revolução Industrial que motivou a reorganização das relações mundiais de produção e trabalho. Várias foram as forças que delinearam este novo cenário organizacional, dentre as quais pode-se citar a tecnologia, a competição, o excesso de oferta, a globalização, as expectativas do cliente, a participação governamental, as relações de propriedade e a dinâmica das forças de trabalho.
Neste contexto, é fácil perceber que as organizações para sobreviverem devem enfrentar todos estes desafios, o que pressupõe uma capacidade de prever mudanças e administrá-las, privilegiando a adaptabilidade, a flexibilidade, a sensibilidade, a decisão e a rapidez; daí a crucial importância do desenvolvimento antecipado de estratégias, ou, dito de outra forma, o que faz a diferença fundamental entre as empresas no mundo moderno é a qualidade do seu planejamento estratégico.
Assim, podemos inferir que no futuro as organizações provavelmente terão, entre outras, as seguintes características: organizações em redes de fornecedores, concorrentes e clientes cooperando para sobreviver, limites organizacionais imprecisos (várias lealdades); sistemas de trabalho de alto desempenho (processos e qualidade total); equipes serão a norma; subunidades serão autônomas; normas e valores dão coesão para direção e coordenação ativas; formas organizacionais fluidas e transitórias; ênfase do aprendizado em nível de sistema; desenvolvimento da visão estratégica e visão específica; e menor ênfase no desempenho financeiro de curto prazo.
CONCLUSÃO
De acordo com Tavares (1991), as características próprias de cada organização nascem das estratégias adotadas por seus dirigentes a fim de manter a empresa. As pessoas têm que estar de acordo com estas características, e estes pressupostos vão se internalizando, formando uma posição a respeito de "como as coisas são".
A partir de exigências para mudanças no ajustamento externo estas podem impulsionar desdobramentos internos de alteração nos sistemas de integração e coordenação. As culturas mudam pelos mesmos processos pelos quais se formam, transformam sua interpretação em ação visível, através do exemplo vivido e inteligível para o grupo como um todo, permitindo uma orientação no agir e interagir do cotidiano da empresa.
O grande dilema que parece estar no bojo de toda esta transformação é a questão do gerenciamento das contradições entre cultura e mudança organizacional. Enquanto a primeira enseja uma sedimentação lenta, mais definida pela passagem do tempo, a segunda pede a adaptabilidade instantânea para responder aos desafios que este mesmo tempo lhe impõe. Faz-se mister, portanto, aprender a mudar, o que significa aprender e apreender o que ode e deve ser feito com os instrumentos e técnicas disponíveis do planejamento e do controle do processo, pois, embora não possamos realmente prever o futuro, parece claro que este mesmo futuro não será alcançado a menos que tentemos ir até ele.
Alguns quesitos terão maior relevância sobre outros ao longo deste caminho que estamos percorrendo no sentido de aprenderemos a mudar. Apenas para exemplificar o gênero de desafios que nos espera podemos citar:
a administração de contratos de parceira (parceiros não são empregados);
o equilíbrio de tendências opostas;
a administração de grupos e suas implicações (já que o trabalho em equipe vai prevalecer, como ficam questões como compensação, avaliação, feedback e procedimentos disciplinares?);
alta tecnologia versus liberdades civis (como normatizar o sigilo da informação? Será a perda de liberdade maior que o ganho em produtividade?);
possível lentidão de algumas mudanças (a capacidade de adaptação ditará o ritmo).
Um outro aspecto que merece atenção é o caráter episódico que parece estar erroneamente associado ao processo de mudança. Mudar é um processo contínuo, que deve ser incorporado ao modus operandi da empresa de forma a permitir a sua inserção na dinâmica das transformações que caracterizam o atual estágio de transformações aceleradas do mundo moderno. Mudar é estar em sintonia com este processo social por que passa a humanidade, filtrando o melhor e aprendendo com o erro.
BIBLIOGRAFIA
FLEURY, Maria Tereza Leme, FISCHER, Rosa Maria. Cultura e poder nas organizações. Rio de Janeiro: Atlas, 1991.
FLEURY, Maria Tereza Leme. Estória, mitos, heróis: cultura organizacional e relações de trabalho. Revista de Administração de Empresa. São Paulo, out./dez. 1987.
FREITAS, Maria Ester de. Cultura organizacional: grandes temas em debate. Revista de Administração de Empresa. São Paulo, jul./set. 1991.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas.
HANDY, Charles. Deuses da administração: como enfrentar as constantes mudanças da cultura organizacional. São Paulo: Vértice, 1987.
MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.
TAVARES, Maria das Graças de Pinho. Cultura organizacional: uma abordagem antropológica da mudança. São Paulo: Qualitymark, 1991.
WOOD JR., Thomaz. Mudança organizacional: uma abordagem preliminar. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 74, jul./ago. 1992.
Originalmente publicado no Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n. 8,p. 69-80, primeiro trimestre 1999.
Carmen Diva B. Monteiro, Elvira Cruvinel Ventura e Patrícia Nassif da Cruz
INTRODUÇÃO
Muitas metáforas podem ser usadas na tentativa de explicar o funcionamento das organizações. Morgan (1996) descrever algumas, a saber:
Organizações como máquinas: desenvolvimento da organização burocrática; máquinas feitas de partes que se interligam, cada uma desempenhando um papel claramente definido no funcionamento do todo;
Organizações como organismos: compreender e administrar as "necessidades" organizacionais e as relações com o ambiente, diferentes tipos de organizações como pertencendo a diferentes espécies;
Organizações como cérebros: importância do processamento de informações, aprendizagem e inteligência; cérebro como um computador, cérebro como um holograma;
Organizações como culturas: realidades socialmente construídas sustentadas por um conjunto de idéias, valores, normas, rituais e crenças;
Organizações como sistemas políticos: sistemas de governo baseados em vários princípios políticos que legitimam diferentes tipos de regras assim como os fatores específicos que delineiam a política da vida organizacional;
Organizações como prisões psíquicas: as pessoas caem nas armadilhas dos seus próprios pensamentos, idéias e crenças ou preocupações que se originam na dimensão inconsciente da mente;
Organizações como fluxo e transformação: compreensão da lógica de mudança que dá forma à vida social (sistemas autoprodutores, causalidade mútua, lógica dialética);
Organizações como instrumentos de dominação: aspectos potencialmente exploradores das organizações; sua essência repousa sobre um processo de dominação em que certas pessoas impõem seus desejos sobre as outras.
O presente trabalho propõe-se a abordar as organizações vistas como culturas e as organizações vistas como fluxo e transformação, ou seja, pretende enfocar as relações entre cultura e mudança organizacional. Para tanto, apresentaremos o texto "Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho", de autoria anônima. Por meio deste conto abordaremos o conceito de cultura e as formas culturais existentes nas organizações. Através da lenda enfatizaremos também o papel do agente de mudanças, delineando algumas visões sobre a mudança organizacional e os fatores-chave que nela intervêm.
A HISTÓRIA
A seguir, apresentamos o texto, pedindo a atenção do leitor para as partes por nós grifadas para posterior análise.
Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho
No centro de formoso jardim, havia um grande lago (1), adornado de ladrilhos azul-turquesa.
Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita.
Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes (2) a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de Rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguiça. Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho (4) menosprezado de todos.
Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.
Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.
O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome.
Não encontrando pouso no vastíssimo domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse.
Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniriam maior massa de lama por ocasião de aguaceiros.
Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro (6).
À frente da imprevista oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo:
– "Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?"
Optou pela mudança.
Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima.
Pronunciando votos renovadores, avançou, otimista pelo rego d'água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu embriagado de esperança...
Em breve, alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos.
Encontrou peixes de muitas famílias diferentes que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhes mais fácil roteiro.
Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo.
Habituado com pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e agilidade naturais.
Conseguiu, desse modo, atingir o oceano (5), ébrio de novidade e sedento de estudo.
De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia (7) para quem toda água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária.
Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos peixes, rogando proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas.
O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações.
Plenamente transformado sem suas concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.
Vivia, agora, sorridente e calmo, no palácio de coral (9) que elegera, com centenas de amigos, para residência ditosa, quando, aos se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.
O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles.
Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los, prestando-lhes o tempo valiosas informações?
Não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no palácio de coral, compreendeu comprida viagem de volta.
Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.
Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros. Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supões que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia.
Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de lótus, de onde saíam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis.
Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porquanto ninguém, ali havia dado pela ausência dele. Ridicularizado, procurou, então, o Rei de guelras enormes (3) e comunicou-lhe a reveladora aventura.
O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro mundo líquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma insignificância que podia desaparecer de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao palácio do coral, onde viveriam todos, prósperos e tranqüilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à aventurosa jornada.
Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção. Ninguém acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquela história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.
O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até à grade de escoamento e, tentando de longe, a travessia, exclamou, borbulhante:
– "Não vês que não cabe aqui nem uma só das minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! Não nos perturbe o bem-estar...Nosso lago é o centro do universo...Ninguém possui vida igual à nossa!..."
Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no palácio de coral, aguardando o tempo.
Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca (8).
As águas desceram de nível. E o poço onde vivam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a aparecer, atolada na lama...
Apresentada a história, faremos associações entre alguns elementos do texto e aqueles elementos que encontramos na cultura de uma organização, notadamente a dificuldade em gerir a mudança e o papel fundamental do agente de mudança (embora, nesta história, ele não tenha conseguido "salvar" a sua comunidade "organizacional").
PARALELO: HISTÓRIA COM CULTURA E MUDANÇA ORGANIZACIONAL
Destacamos alguns personagens e símbolos que julgamos importantes para o alcance do objetivo de nosso artigo, qual seja, fazer um paralelo entre a história com a cultura e transformações de uma empresa.
(1) Um grande lago e (2) uma Comunidade de Peixes: A Organização e sua Cultura
O grande lago e a comunidade de peixes representam na nossa realidade a organização e a sua cultura. Não nos esqueçamos de que o lago é apenas o locus organizacional, posto que a comunidade (indivíduos e sua cultura) é que verdadeiramente "cria" a organização. A cultura organizacional, por sua vez, é formada por políticas internas e externas, sistemas, crenças, valores e clima organizacional.
O interesse sobre cultura organizacional recrudesceu nos anos 70, devido ao fenômeno japonês. O Japão surgiu como líder do poder industrial, apesar de não ter recursos naturais, não ter energia e ser um país superpovoado (mais de 110 milhões de habitantes). Entretanto, nenhum desses fatores impediu que houvesse um alto nível de crescimento, um baixo nível de desemprego e a mis bem-remunerada e saudável população trabalhadora do mundo. Assim, entender a cultura desse povo tornou-se importante para compreender a sua ascensão na economia mundial.
Segundo Fleury (1991), há vários caminhos para se desvendar a cultura de uma organização. Dentre eles destacam-se:
O Histórico das Organizações: o momento de criação de uma organização e sua inserção no contexto político e econômico da época propiciam o pano de fundo necessário para compreensão da natureza da organização, suas metas, seus objetivos. O fundador neste contexto tem um papel fundamental, pois ele detém a concepção global sobre o projeto da organização e tem o poder para estruturá-la, desenvolvê-la e tecer elementos simbólicos consistentes com esta visão.
Os incidentes críticos por que passou a organização, tais como crises, expansões, pontos de inflexão, de fracassos ou sucessos também são formadores de sua história. Nestes momentos, o tecido simbólico se revela mais facilmente ao pesquisador, pois certos valores importantes de serem preservados ou, pelo contrário, questionados, emergem com maior nitidez;
O Processo de Socialização de Novos Membros: o momento de socialização é crucial para a reprodução do universo simbólico. É através das estratégias de integração do indivíduo à organização que os valores e comportamento vão sendo transmitidos e incorporados pelos novos membros. As estratégias mais usuais são os programas de treinamento e integração de novos funcionários. Os rituais de socialização desempenham ao mesmo tempo o papel de inclusão do indivíduo ao grupo e delimitação do processo de exclusão dos demais;
As Políticas de Recursos Humanos: as políticas de recursos humanos têm papel relevante no processo de construção de identidade da organização por serem as mediadoras da relação entre capital e trabalho. Analisando as políticas explícitas e principalmente as políticas implícitas de recursos humanos de uma organização é possível decifrar e interpretar os padrões culturais desta organização;
O Processo de Comunicação: a comunicação é um dos elementos essenciais no processo de criação, transmissão e cristalização do universo simbólico de uma organização. É preciso identificar os meios formais orais (contactos diretos, reuniões, telefonemas) e escritos (jornais, circulares, "memos") e os meios informais, como por exemplo a "rádio-peão". O mapeamento dos meios permite o desvendar das relações entre categorias, grupos e áreas da organização;
A Organização do Processo de Trabalho: a análise da organização do processo de trabalho em sua componente tecnológica e em sua componente social, como forma de gestão da força de trabalho, possibilita a identificação das categorias presentes na relação de trabalho. Assim, ela é importante para desvendar aspectos formadores da identidade organizacional, além de fornecer o referencial para se decifrar a dimensão político-construtiva do elemento simbólico. Ou seja, para se questionar como elementos simbólicos ocultam ou instrumentalizam relações de poder é preciso rebater a análise para o plano concreto das relações entre os agentes no processo de trabalho;
As Técnicas de Investigação: derivam das propostas teórico-metodológicas desenvolvidas pelos autores. Na ênfase quantitativa utiliza-se levantamento de opinião, através de questionários, escalas, entrevistas, etc. Na ênfase qualitativa utilizam-se dados secundários da própria organização (documentos, relatórios manuais de pessoal, organogramas, jornais, etc.). As técnicas mais utilizadas para coleta de dados primários são entrevistas, observação participante e não participante e dinâmicas de grupo, com uso de jogos e simulações.
Cultura usualmente é tida como o padrão de desenvolvimento refletido nos sistemas sociais de conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais cotidianos. Também é vista como o grau de refinamento e evidente em tais sistemas de crenças e práticas.
A antropologia serve de base para o estudo da cultura organizacional. Requer uma ruptura radical com a crença de que existe um centro do mundo e de que algumas culturas são mais avançadas ou evoluídas que outras. O antropólogo social ou organizacional deve ter elevado grau de relativismo cultural, de modo a neutralizar eventuais distorções provocadas por seu contexto cultural de origem. A experiência da alteridade leva a se perceber a própria cultura, através do reconhecimento de que ela nada tem de natural e sim é essencialmente formada de construções sociais, e a cultura do outro.
A cultura pode ser entendida como um sistema simbólico, tal como a arte, o mito, a linguagem, em sua qualidade de instrumento de comunicação entre as pessoas e os grupos sociais, que permite a elaboração de um conhecimento consensual sobre o significado do mundo; e também como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente.
Na perspectiva da Antropologia, a dimensão simbólica é concebida como capaz de integrar todos os aspectos da prática social. Segundo Durhan (Fleury, 1987), os antropólogos tenderam sempre a conceber os padrões culturais não como um molde que produziria condutas estritamente idênticas, mas antes como as regras de um jogo, isto é, uma estrutura que permite atribuir significado a certas ações e em função da qual se jogam infinitas partidas. Não existe também a preocupação em estabelecer relações entre as representações e o poder.
Entre os sociólogos uma corrente importante para a análise da cultura é o interacionismo simbólico (Fleury, 1987), no qual toda atividade está sujeita ao hábito. Qualquer ação freqüentemente repetida torna-se um padrão que pode ser reproduzido, com economia de esforço e tempo. Os fenômenos estão pré-arranjados em padrões que parecem ser independentes da apreensão que cada pessoa faz deles individualmente. A realidade se impõe como objetivada, isto é, constituída por uma série de objetivos que foram designados como objetos antes da "minha" aparição (como indivíduo) em cena. Existe o compartilhar de um senso comum sobre a realidade, produzindo signos (sinais que têm significação). Nas organizações, observa-se como certos símbolos são criados e os procedimentos implícitos e explícitos para legitimá-los.
Discutem-se também os processos de socialização vivenciados pelo indivíduo, quais sejam:
Socialização Primária: onde o indivíduo se toma membro de uma sociedade. O cunho da realidade do conhecimento é internalizado quase que automaticamente pelo indivíduo, através, principalmente, da linguagem;
Socialização Secundária: introduz um indivíduo já socializado a novos setores do mundo objetivo. A identificação acontece somente na medida necessária para a comunicação entre seres humanos. Sua extensão e seu caráter são determinados pela complexidade da divisão do trabalho e pela distribuição social do conhecimento de uma dada sociedade.
Smirchich (Fleury, 1987) propõe duas linhas de pesquisa:
A cultura como uma variável, como alguma coisa que a organização tem: ligada ao modelo sistêmico de organização, tem um objetivo normativo – realizar diagnósticos com análises comparativas que subsidiem a elaboração de estratégias de ação das empresas. Por sua vez esta linha de pesquisa considera dois tipos de variáveis:
como variável independente, externa à organização (a cultura da sociedade em que se insere a organização e que é trazida para dentro por seus membros);
como variável interna à organização (as organizações produzem bens, serviços e produtos culturais como lendas, ritos, símbolos); é resultado do desempenho e de representações dos indivíduos nas organizações;
A cultura como raiz da própria organização, algo que a organização é: esta segunda abordagem procura ir além da visão instrumental da organização para pensá-la como um fenômeno social derivado do conceito antropológico de cultura.Dentro dessa abordagem, a autora coloca três correntes antropológicas que embasariam as pesquisas sobre cultura organizacional:
Cognitivista: cultura é definida como um sistema de conhecimento e crenças compartilhados. É importante determinar quais as regras existentes em uma determinada cultura e como seus membros vêem o mundo;
Estruturalista: a cultura se constitui de signos e símbolos. É convencional, arbitrária e estruturada. É constitutiva da ação social sendo, portanto, indissociável desta;
Simbólica: define cultura como um sistema de símbolos e significados compartilhados que necessita ser decifrado e interpretado. As pessoas procuram decifrar a organização em termos de pautar e adequar o seu próprio comportamento.
Nesta última corrente, Van Maanem (Fleury, 1991) identifica vários tipos de estratégias de socialização, que podem ser combinados em função de se adequar o mais eficientemente possível o indivíduo aos objetivos e natureza daquela organização (tem a ver com a socialização secundária de Berger).
Para Schein, também desta última corrente, cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa ou integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas. Ainda, a cultura de uma organização pode ser apreendida em vários níveis (Fleury, 1991):
Nível dos artefatos visíveis: fáceis de obter, mas difíceis de interpretar. É o ambiente construído da organização, arquitetura, layout, a maneira de as pessoas se vestirem, padrões de comportamento visíveis, documentos públicos;
Nível dos valores que governam o comportamento das pessoas: valores manifestos na cultura, ou seja, expressam o que as pessoas reportam ser a razão do seu comportamento, o que na maioria das vezes são idealizações ou racionalizações;
Nível dos pressupostos inconscientes: são aqueles pressupostos que determinam como os membros de um grupo percebem, pensam e sentem. À medida que um pressuposto vai se tornando cada vez mais taken for granted, vai passando para o nível do inconsciente.
O mesmo autor diz que se a organização como um todo vivenciou experiências comuns pode existir uma forte cultura organizacional que prevaleça sobre várias subculturas das unidades (cultura dos gerentes, do sindicato, etc.). Schein coloca como de maior importância o papel dos fundadores da organização no processo e moldar seus padrões culturais, que imprimem sua visão de mundo aos demais e também sua visão do papel que a organização deve desempenhar no mundo.
Shein propõe ainda categorias para se investigar o universo cultural de uma organização:
Analisar o teor e o processo de socialização dos novos membros;
Analisar as respostas a incidentes críticos da história da organização;
Analisar as crenças, valores e convicções dos criadores ou portadores da cultura;
Explorar e analisar junto a pessoas de dentro da organização as observações surpreendentes descobertas durante as entrevistas.
Esta linha de estudos assume os sistemas culturais apenas em sua capacidade de comunicação e de expressão de uma visão consensual sobre a própria organização. Entretanto, a dimensão do poder está ausente destes estudos. Para ir além da proposta clássica, que define cultura como representações simbólicas que expressam formas comuns de apreender o mundo, é necessário "politizar" o conceito de cultura, investigando como o universo simbólico expressa relações de poder, oculta-as e instrumentaliza o pólo dominante da relação.
(3) O Rei de Guelras Enormes: O Poder nas Organizações
O Rei representa na lenda o poder. Percebe-se na figura do rei um líder de comportamento autoritário, sem a devida responsabilidade para com seus seguidores (comunidade de peixes). Nas organizações, essa faculdade de um homem determinar o comportamento de outro homem pode se dar através da manipulação, da persuasão, da ameaça de punição e até pela promessa de benefícios e vantagens.
Nesta perspectiva, Max Pagès, estudando o fenômeno do poder e suas articulações na vida de uma organização, trabalha de forma analítica (e não-antropológica) o fenômeno do poder sob diferentes matizes, aliando o referencial marxista à psicanálise freudiana (postura "sistêmico-dialética"):
Como fenômeno de alienação econômica (perspectiva marxista);
Como fenômeno político de imposição e controle sobre as decisões e organização do trabalho;
No nível ideológico, como um fenômeno de apropriação de significados e valores;
No nível psicológico, como um fenômeno de alienação psicológica.
Fleury (1987) coloca a introdução do conceito de mediação como um processo que transforma a contradição básica entre capital e trabalho em uma contradição interna às políticas da organização. A organização hipermoderna tem esta característica, identificada em quatro categorias:
Mediações de ordem econômica (salários, carreira, etc.);
Mediações de ordem política (sistema decisório);
Mediações de ordem ideológica (quer tornar-se um lugar de produção de significado e valor);
Mediações de ordem psicológica (de vantagens / restrições para prazer / agonia, mecanismo de reforço circular, que assegura a manutenção do sistema psicológico em consonância com a estrutura da organização e os reproduz).
O conceito de ideologia desenvolvido pelos autores aproxima-se do conceito de cultura organizacional. Para o autor a ideologia não reside apenas no discurso dos dirigentes, mas é elaborada pelo conjunto dos empregados. A função essencial da ideologia não é apenas mascarar as relações sociais de produção, mas reforçar a dominação e conseguir a exploração dos trabalhadores. Utiliza a metáfora da "religião", que na empresa é colocada em prática nos dispositivos da política de pessoal. Em sua pesquisa, analisa os dogmas, mandamentos da empresa, ritos (confissão: entrevista de avaliação; missa: reuniões; batismo: programa de treinamento, etc.).
Fleury (1989) define cultura a partir da concepção de Shein, mas incorpora a dimensão política inerente a este fenômeno. Assim, cultura organizacional é concebida como:
"...um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação" (Fleury, 1989:22).
Há, ainda, o mito da "grande família" , que revela as duas faces presentes nas relações de trabalho: a face visível da solidariedade, de cooperação, e a face oculta da dominação e submissão.
(4) O Peixinho Vermelho: O Agente de Mudanças
Na lenda, o peixinho vermelho representa o agente promotor de mudança. É considerado um líder democrático, cooperativo, aberto à mudança e sobretudo humano. Buscava conhecimento através do estudo e também conhecia bem a realidade em que vivia, ou seja, os problemas, a estrutura, as bases do grande lago.
Nas organizações, esse agente de mudanças é conhecido como empreendedor. Estes, por sua vez, são elementos dispostos a inovar e criar produtos, estratégias e situações que promovem o desenvolvimento organizacional.
Até meados da década de 70, falar em mudança organizacional era predominantemente falar em projeto ou desenho organizacional. A idéia de mudança estava centrada no conceito de alteração de organogramas, na criação, modificação ou extinção de cargos e funções. É somente nos anos 80 que esta abordagem vai ganhar forma. Grande parte do interesse pelo tema deve-se ao fato de que, após operar todo tipo de mudança em suas empresas, muitos administradores perceberam que ainda era necessários mudar os valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados surgissem.
Para Herzog (citado por Wood, 1992), mudança no contexto organizacional engloba alterações fundamentais no comportamento humano nos padrões de trabalho e nos valores em resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia. Ele considera também que a chave para enfrentar com sucesso o processo de mudança é o gerenciamento das pessoas, mantendo o alto nível de motivação e evitando desapontamentos. Para ele, grande desafio não é a mudança tecnológica, mas mudar as pessoas e a cultura organizacional, renovando os valores para ganhar vantagem competitiva.
Deal e Kennedy (citados por Wood 1992), acreditam que a mudança é necessária quando ocorrem perturbações ambientais e mudar torna-se uma questão de sobrevivência. Delisi, Linder e Koch e Steinhauser (Wood, 1992) exploram a relação entre tecnologia de informação e mudança cultural e o potencial de impacto que a variável tecnológica tem sobre as organizações.
Para Morgan (1996), o processo de mudança tradicionalmente tem sido dado como um problema de mudança das tecnologias, estruturas, habilidades e motivações dos empregados. Embora seja correto, a mudança efetiva depende das mudanças de imagens que deve guiar as ações.
O'Toole (Wood, 1992) considera que os fatores-chave em uma mudança cultural são:
que a mudança seja construída sobre as forças e os valores da organização;
que haja participação em todos os níveis;
que a mudança se dê de forma holística, relacionando-se com a estrutura, estratégica, sistemas de recompensa, sistemas de controle;
que a alta gerência lhe dê todo apoio e que se torne um processo contínuo;
que seja planejada no longo prazo e executada em etapas.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) a cultura é pensada como um conjunto complexo de valores, crenças e pressupostos que definem os modos pelos quais uma empresa conduz seus negócios. Esse núcleo de crenças e pressupostos são manifestos nas estruturas, sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensas dentro da organização. Seria muito mais fácil ajustar as manifestações de cultura do que modificar o núcleo de crenças e pressupostos básicos de uma organização. No entanto, qualquer estratégia para modificar a cultura organizacional terá de envolver pensamentos e ação tanto no nível das crenças básicas como no de suas manifestações.
O ponto de partida para esta análise da mudança estratégica é a noção de que a formulação do conteúdo de qualquer nova estratégia supõe controlar ambiente social, econômico, político e competitivo. O contexto interno é a própria cultura organizacional, através da qual as idéias de mudança devem fluir. O processo de mudança refere-se às ações, reações e interações das várias partes interessadas.
Segundo Morgam (1996), aprende-se a encarar sistemas vivos como entidades distintas caracterizadas por inúmeros padrões de interdependência, tanto internos, como em relação aos seus ambientes. Caso nos coloquemos "dentro" desses sistemas percebemos que estamos dentro de um sistema fechado de interação e que o ambiente é parte da organização do sistema.
O padrão do sistema deve ser entendido como um todo. Por isso não faz sentido dizer que um sistema interage com seu ambiente, são transações dentro de si mesma. Se as relações com o ambiente são internamente determinadas, então os sistemas só podem evoluir e mudar através de mudanças autogeradas na identidade. Quando uma organização deseja entender o seu ambiente, deve então entender-se a si mesma, uma vez que a compreensão do ambiente é sempre uma projeção de si própria. Muitas organizações encontram sérios problemas em lidar com o mundo exterior por não reconhecerem que são uma parte dos seus respectivos ambientes.
(5) O Oceano: o Universo de Inserção das Organizações
O oceano significa o universo de inserção das organizações que sobreviverão e se adaptarão aos impactos das transformações exigidas pela dinâmica do mundo globalizado da Era da Informação. De acordo com Toledo (1997), a mutabilidade é o cenário em que as pessoas e organizações vão encontrar neste fim de milênio e no começo do próximo. Diante disso, coloca-se a necessidade das empresas se adequarem aos novos paradigmas para que permaneçam no mercado. Muitas organizações se vêem como centros, olhando apenas para o seu próprio umbigo, fechadas ao ambiente, em si mesmas, às mudanças. Não querem se comprometer, pois tal ação exige risco.
Um novo modelo de gestão deve, então, ser criado neste cenário de competitividade crescente, tanto no nível das relações externas quanto internas. À medida que os cenários mudam os seres humanos são instados a mudar, a oferecer soluções criativas e a mobilizar novos recursos. E a transformação desse fluxo de mudanças se encontra na sinergia, parceria e na globalização que são formas de união.
(6) A Grade de Escoadouro: Os Obstáculos para a Mudança
Na lenda o escoadouro representa o caminho para a mudança, a ponte. Toda mudança implica algum sacrifício e é sempre cercada por incertezas. É esta passagem estreitíssima que levaria a outro mundo (oceano, rios, riachos, plantas). Mas, para se chegar do outro lado, através desse escoadouro, era preciso que os peixes emagrecessem, renunciassem a muitos hábitos, atitudes, crenças, valores. Desse modo, não atravessar esse escoadouro significa negar a necessidade de mudanças e dizer não às novas oportunidades, enfim, significa uma resistência à mudança.
As organizações por estarem inseridas num contexto de mudanças constantes precisam se adaptar às novas realidades com as quais se defrontam. Por exemplo, tais realidades poderiam ser a necessidade de uma nova política de recursos humanos, ou uma nova forma de gestão e planejamento; ou ainda, mudanças nas estruturas, sistemas e processos ou urgência de informatização; ou até mudanças políticas e novas tecnologias. A despeito de tais pressões, muitas organizações não procedem as atitudes necessárias para instaurarem o processo que as levaria a modificar o seu status quo. Talvez o maior foco de resistência seja o fato de que a questão não é somente mudar, e sim gerenciar a mudança, o que implica na tarefa extremamente difícil de gerenciar a própria cultura da organização.
Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) as dificuldades de se gerenciar a cultura de uma organização são devidas aos seguintes problemas:
Problema dos níveis: a cultura existe em uma variedade de níveis diferentes na empresa. Refere-se às crenças e pressupostos das pessoas dentro da organização. É muito mais difícil modificar manifestações de cultura;
Problema da infiltração: a cultura refere-se também aos produtos da empresa, às estruturas, aos sistemas, à missão da empresa, recompensas, socialização;
Problema do implícito: é difícil modificar coisas que são implícitas no pensamento e no comportamento das pessoas;
Problema do impresso: a história tem grande peso na administração presente e futura na maioria das organizações;
Problema do político: refere-se às conexões entre a cultura organizacional e a distribuição do poder na empresa. Esses grupos de poder não estão dispostos a abandonar tais crenças;
Problema da pluralidade: a maioria das empresas não possui uma única cultura organizacional, podendo apresentar uma série de subculturas;
Problema da interdependência: a cultura está interconectada não apenas com a política da empresa, mas com a estrutura, os sistemas, as pessoas e as prioridades da empresa.
Para criar e manter a cultura, a rede de concepções, normas e valores devem ser afirmados e comunicados aos membros da organização de uma forma tangível (Fleury, 1991), que são as formas culturais, ou seja, os ritos, rituais, mitos, histórias, gestos e artefatos.
O rito se configura como uma categoria analítica privilegiada para desvendar a cultura das organizações. Ao desempenhar um rito, as pessoas se expressam através de diversos símbolos: certos gestos, linguagem, comportamentos ritualizados, artefatos para salientar uma visão consensual apropriada à ocasião. Comparando os relatos antropológicos dos ritos das sociedades tribais com os da vida das organizações modernas, Beyer e Trice (Fleury, 1991) identificaram seis tipos de ritos:
Ritos de passagem: o processo e introdução e treinamento básico no Exército americano;
Ritos de degradação: o processo de despedir e substituir um alto executivo;
Ritos de confirmação: seminários para reforçar a identidade social e seu poder de coesão;
Ritos de reprodução: atividades de desenvolvimento organizacional;
Ritos para redução de conflito: processos de negociação coletiva;
Ritos de integração: festas de natal nas organizações.
Para os autores, os ritos organizacionais são facilmente identificáveis, porém dificilmente interpretáveis. Pode-se, então, identificar duas posturas teóricas básicas ao se trabalhar o conceito de cultura, que não são excludentes:
aqueles que consideram a cultura como a interação/comunicação entre as pessoas e grupos e elaboração de um conhecimento consensual sobre significado do mundo (arte, mito, linguagem => sistema simbólico);
aqueles que consideram a cultura como um instrumento de poder e legitimação da ordem vigente (ideologia).
(7) A Baleia : O Perigo da Precipitação
Na nossa história o encontro com a baleia representa exatamente o extremo da organização que resiste às mudanças: é aquela que se deixa levar inconseqüentemente por qualquer "onda" que lhe acene com a promessa de solução de seus problemas, aceitando o modismo da mudança sem uma avaliação adequada de suas reais necessidades e um planejamento sério para levar a termo tais tentativas de transformação.
Podemos incluir aqui as chamadas "maquiagens", muda-se a forma mas o conteúdo permanece o mesmo. Ou então são os "desvios" da mudança, em que a empresa, por ignorância, falta de orientação ou por má interpretação dos fatos não procedeu de forma a viabilizar aquilo que pretendia e acaba faceando situações danosas para as quais não tem defesa, e que podem inclusive vir a causar-lhe a extinção. A baleia também pode representar o reconhecimento do erro, quando os desvios mencionados são detectados em sua fase inicial e ainda são passíveis de serem corrigidos.
(8) A Seca: O Destino das Organizações Estanques
A Seca representa o futuro para aquelas organizações que não aceitarem os novos paradigmas. Aquelas que não acompanharem o influxo dos requisitos para a sobrevivência no mercado globalizado estão destinadas a desaparecer. As mudanças globais na economia delineiam um novo cenário que traz, para as empresas, drásticas mudanças nas relações de troca: exigência dos consumidores e necessidades de qualidade de vida do trabalho. Por isso, é necessário que as mudanças se façam nos processos sociais internos, para que se modifiquem também as pessoas a fim de que este modelo de gestão funcione.
Diante disso, torna-se necessário superar as barreiras dos antigos comportamentos. Em primeiro lugar, através da quebra dos paradigmas construídos sobre a realidade passada, para que um novo paradigma possa fazer emergir uma nova realidade sobre ele construída. As organizações devem se preparar para os possíveis desafios, através de um processo contínuo de aprendizagem, mobilização de recursos adicionais para atenderem às novas demandas e adaptação ao novo ambiente; caso contrário, as organizações estão fadadas à morte (falência).
(9) O Palácio de Coral: O Futuro das Organizações
Em nossa história o palácio de coral representa o novo estado possível da organização, ou, dito de outra forma, como serão as arquiteturas organizacionais para o século 21. Desde meados dos anos 80 têm aumentado as pressões sobre as empresas que desejam continuar no mercado com êxito. As transformações por que passa a nossa época são bastante diferenciadas daquelas trazidas no bojo da Revolução Industrial que motivou a reorganização das relações mundiais de produção e trabalho. Várias foram as forças que delinearam este novo cenário organizacional, dentre as quais pode-se citar a tecnologia, a competição, o excesso de oferta, a globalização, as expectativas do cliente, a participação governamental, as relações de propriedade e a dinâmica das forças de trabalho.
Neste contexto, é fácil perceber que as organizações para sobreviverem devem enfrentar todos estes desafios, o que pressupõe uma capacidade de prever mudanças e administrá-las, privilegiando a adaptabilidade, a flexibilidade, a sensibilidade, a decisão e a rapidez; daí a crucial importância do desenvolvimento antecipado de estratégias, ou, dito de outra forma, o que faz a diferença fundamental entre as empresas no mundo moderno é a qualidade do seu planejamento estratégico.
Assim, podemos inferir que no futuro as organizações provavelmente terão, entre outras, as seguintes características: organizações em redes de fornecedores, concorrentes e clientes cooperando para sobreviver, limites organizacionais imprecisos (várias lealdades); sistemas de trabalho de alto desempenho (processos e qualidade total); equipes serão a norma; subunidades serão autônomas; normas e valores dão coesão para direção e coordenação ativas; formas organizacionais fluidas e transitórias; ênfase do aprendizado em nível de sistema; desenvolvimento da visão estratégica e visão específica; e menor ênfase no desempenho financeiro de curto prazo.
CONCLUSÃO
De acordo com Tavares (1991), as características próprias de cada organização nascem das estratégias adotadas por seus dirigentes a fim de manter a empresa. As pessoas têm que estar de acordo com estas características, e estes pressupostos vão se internalizando, formando uma posição a respeito de "como as coisas são".
A partir de exigências para mudanças no ajustamento externo estas podem impulsionar desdobramentos internos de alteração nos sistemas de integração e coordenação. As culturas mudam pelos mesmos processos pelos quais se formam, transformam sua interpretação em ação visível, através do exemplo vivido e inteligível para o grupo como um todo, permitindo uma orientação no agir e interagir do cotidiano da empresa.
O grande dilema que parece estar no bojo de toda esta transformação é a questão do gerenciamento das contradições entre cultura e mudança organizacional. Enquanto a primeira enseja uma sedimentação lenta, mais definida pela passagem do tempo, a segunda pede a adaptabilidade instantânea para responder aos desafios que este mesmo tempo lhe impõe. Faz-se mister, portanto, aprender a mudar, o que significa aprender e apreender o que ode e deve ser feito com os instrumentos e técnicas disponíveis do planejamento e do controle do processo, pois, embora não possamos realmente prever o futuro, parece claro que este mesmo futuro não será alcançado a menos que tentemos ir até ele.
Alguns quesitos terão maior relevância sobre outros ao longo deste caminho que estamos percorrendo no sentido de aprenderemos a mudar. Apenas para exemplificar o gênero de desafios que nos espera podemos citar:
a administração de contratos de parceira (parceiros não são empregados);
o equilíbrio de tendências opostas;
a administração de grupos e suas implicações (já que o trabalho em equipe vai prevalecer, como ficam questões como compensação, avaliação, feedback e procedimentos disciplinares?);
alta tecnologia versus liberdades civis (como normatizar o sigilo da informação? Será a perda de liberdade maior que o ganho em produtividade?);
possível lentidão de algumas mudanças (a capacidade de adaptação ditará o ritmo).
Um outro aspecto que merece atenção é o caráter episódico que parece estar erroneamente associado ao processo de mudança. Mudar é um processo contínuo, que deve ser incorporado ao modus operandi da empresa de forma a permitir a sua inserção na dinâmica das transformações que caracterizam o atual estágio de transformações aceleradas do mundo moderno. Mudar é estar em sintonia com este processo social por que passa a humanidade, filtrando o melhor e aprendendo com o erro.
BIBLIOGRAFIA
FLEURY, Maria Tereza Leme, FISCHER, Rosa Maria. Cultura e poder nas organizações. Rio de Janeiro: Atlas, 1991.
FLEURY, Maria Tereza Leme. Estória, mitos, heróis: cultura organizacional e relações de trabalho. Revista de Administração de Empresa. São Paulo, out./dez. 1987.
FREITAS, Maria Ester de. Cultura organizacional: grandes temas em debate. Revista de Administração de Empresa. São Paulo, jul./set. 1991.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas.
HANDY, Charles. Deuses da administração: como enfrentar as constantes mudanças da cultura organizacional. São Paulo: Vértice, 1987.
MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.
TAVARES, Maria das Graças de Pinho. Cultura organizacional: uma abordagem antropológica da mudança. São Paulo: Qualitymark, 1991.
WOOD JR., Thomaz. Mudança organizacional: uma abordagem preliminar. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 74, jul./ago. 1992.
Originalmente publicado no Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n. 8,p. 69-80, primeiro trimestre 1999.
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